quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A SERPENTE ENCANTADA DO SÍTIO SÃO PAULO


"...E, diante daquela enorme cobra que por sobre o talhado atravessava vertiginosamente as matas do Ipu deslizando calma e majestosa entre as pedras da deslumbrante cachoeira, via-se a grandiosa sombra animalesca... O chão tremia,o céu parecia escurecer, as mulheres rezavam, os homens escondiam-se, as crianças choravam. Os animais fugiam em enorme retirada...A cidade maldita estava condenada a cumprir o destino profético que tanto falavam os nossos antigos ancestrais africanos. O mostro adormecido acordava novamente..." (Petrônio Lima)

Diz a lenda, contada nos tempos da escravidão pelos velhos moradores da vila Nova do Ipu Grande , mais conhecida nos versos da cantiga de um antigo cantador de viola (negro Lourenço), que uma vez por ano a enorme Serpente descia da serra e ia beber nas margens do Ipuçaba. Tal mostro rastejador tinha como morada o Sitio São Paulo,um agradável sitio localizado por sobre a pequena vila onde lá funcionava um modesto engenho de propriedade da Dona Ana Ferreirra Passos.Uma velha senhora que segundo os antigos gostava de judiar e torturar seus poucos escravos que por lá trabalhavam.

Em algumas de minhas trilhas por aquela localidade tive o cuidado de registrar e colher vários depoimentos orais onde afirmam dizer que realmente a velha senhora gostava de judiar com seus escravos. O que lhe custou o apelido colocado pelos negros cativos de “Dona Cobra”, segundo os nossos entrevistados. Lá adentrei a antiga residência e tirei algumas fotos do local mais surpreendente e assustador, um pequeno quarto que servia para “maltratar e até esquartejar” os escravos mais rebeldes, dissera então um senhor mais velho. É um local impressionante, entretanto a estrutura original do pequeno engenho não mais existe, só alguns vestígios quase imperceptíveis que somente aos olhos de um pesquisador é possível reconstruir algumas memórias esquecidas pelo tempo e silenciadas pelos homens.

E entre uma xícara de café e outra, sentado no alpendre da velha casa a conversa fluia agradavelmente e eu aproveitava para anotar e gravar as falas e versões da lenda da enorme serpente. Todos diziam que se tratava de uma praga assustadora dos tempos da escravidão. A mesma senhora de escravos que teve como castigo divino transformar-se numa enorme cobra e não mais assumir sua feição humana. Vindo então a rastejar eternamente pelas matas do Ipu. Por alguns instantes, ao ouvir as narrativas do velho senhor lembrei dos contos e lendas dos tempos de menino quando morava no sitio Regalo em noite de lua cheia, em sua maioria estórias contadas por minha própria mãe. Daí então comecei a rabiscar um pequeno trecho com o título: “A Serpente Encantada do Sitio São Paulo ,” uma pequena escrita em forma de poesia,no qual pretendo postar na íntegra logo em breve nesse mesmo Blog.

“...E, diante daquela enorme cobra que por sobre o talhado atravessava vertiginosamente as matas do Ipu deslizando calma e majestosa entre as pedras da deslumbrante cachoeira, via-se a grandiosa sombra animalesca. O chão tremia,o céu parecia escurecer, as mulheres rezavam, os homens escondiam-se, as crianças choravam. Os animais fugiam em enorme retirada...A cidade maldita estava condenada a cumprir o destino profético que tanto falavam os nossos antigos ancestrais africanos.O mostro adormecido acordava novamente...”

Em uma das versões mais conhecidas na cidade diz que por volta mais ou menos da década de 1840, pouco depois da emancipação política da antiga vila, foi encontrado no túmulo de Dona Ana Ferreira Passos uma imensa cobra. Tal fato se espalhou em toda a redondeza, dando a entender que a referida senhora, no “imaginário popular”, tinha de fato virada uma enorme serpente, e voado por toda a vila indo então descansar nas matas do sitio São Paulo de onde passaria a ser sua dormida misteriosa. No entanto a versão ainda hoje mais aceita naquela localidade é de que a referida senhora, já em sua idade provecta fora encontrada nos matos bem perto de seu sitio com a metade do corpo praticamente coberto de escamas e que seus parentes teriam feito uma imensa gaiola de ferro e botado a mesma dentro.E como ela crescia rapidamente resolveram levá-la até o litoral de Camocim, colocando-a em um navio para soltá-la no meio do mar.

Em mais uma de minhas caminhadas e trilhas pras bandas do sitio São Mateus de Ipu, outro sitio próximo a cidade, consegui colher alguns depoimentos e trechos da cantiga do velho negro africano "Lourenço" sobre a “lenda da Cobra” na fala de um dos poetas populares conhecido como “PAIZIM DÃO”, parente de músicos e poetas tradicionais da cidade.

Veja então alguns pequenos e interessantes trechos da cantiga popular referente ao cotidiano do cantador na cidade. Supostamente de autoria do mesmo, ela traz a figura da “Cobra Encantada” contida em seus versos, misturada com uma pequena dose da política local dos tempos dos coronéis. Segundos depoimentos orais o negro cantador era protegido pela família Martins e que tal lenda servira de propaganda pejorativa contra o grupo político e inimigo da época (os Porfírio), sendo que o mais envolvido nas querelas politicas era neto de D. Ana Ferreira. Isso mesmo, a velha senhora dona de escravos que supostamente teria virado cobra!..Sem dúvida, uma cantiga que evidencia a beleza da narrativa popular, cedida gentilmente por “Paizim Dão” e por outro folclorista e poeta Florival Vale de Paiva no dia 03/09/2006.

Tando eu cantando a cobra
No salão de seu Bolsão
Quando chega o seu Porfírio
Me dando voz de prisão.

Quando eu ia pra cadeia
Eu fui bem devagarim
E fui logo me valendo
Da mulher de seu Martim

Me vai-la dona Adelaide
Lhe peço por caridade
Venha soltar seu “neguim”

Quando sai da cadeia
“Divagarim” eu andei
E para dona Adelaide
Um “pade” nosso rezei

Foi logo depois das doze
Quando cheguei no “quatorze”
A mesma cobra cantei:

Ditado da cobra, le firo, le firo
O primeiro que eu como
É meu neto Porfírio!..

A cobra voava
Soltando assobio
Da quina da serra
Pra beira do rio...

Vale ressaltar que a lenda de enormes cobras sempre estiveram relacionados aos mitos e crenças dos antigos indígenas da Amazonas.Era muito comum a afirmação de que as cobras buscavam as mulheres para engravidá-las e acreditava-se também, que a partir da primeira menstruação, as jovens índias virgens estavam particularmente sujeitas a atraírem "o amor de uma serpente", por este motivo, elas evitavam de irem ao mato ou a beira de um rio, quando menstruadas.

Aqui no Ceará, mais precisamente no começo do século XVIII a influencia das tradições orais africanas sofreram consideráveis modificações nos mitos,lendas e crenças do povo interiorano. Considerando o fato de que o negro também contribui na formação de uma cultura popular rica e diversa. Suas expressões criativas adaptaram-se a beleza das velhas narrativas e crônicas do romanceiro português. Dos candomblés e senzalas foram às velhas amas-de-leite (akpalô) que preservaram a tradição oral dos cantos e lendas africanas no interior do nordeste brasileiro. A cantiga acima talvez seja um exemplo maior dessa afirmação, onde a lenda da "Cobra do Sitio São Paulo" é mostrada através de uma comicidade satírica e envolvente nos versos do cantador negro Lourenço.

Podemos então considerar a importância dos mitos e lendas na construção da identidade local de um povo. Uma memória que não só se restringe no meio da produção da história oficial, mas na vivência cotidiana das "pessoas comuns" e de suas narrativas ainda pouco valorizadas. O interessante é que, muitas das lendas e histórias de enormes cobras e serpentes são contadas em quase todas as regiões brasileiras. No Pará, por exemplo “há uma velha crença de que existe uma cobra grande adormecida embaixo de parte da cidade, sendo que sua cabeça estaria sob o altar-mor da Basílica de Nazaré e o final da cauda debaixo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Outros já dizem que a tal cobra grande está com a cabeça debaixo da Igreja da Sé, a Catedral Metropolitana de Belém, e sua cauda debaixo da Basílica de Nazaré. Os mais antigos dizem que se algum dia a cobra acordar ou mesmo tentar se mexer, a cidade toda poderá desabar.”

Lenda semelhante com a do São Luis do Maranhão e que foi musicalizada nos versos do poeta Zeca Baleiro. Convido-o(a) a ouvir atentamente a maravilhosa música deste grande poeta maranhense logo abaixo. Você vai ficar encantado(a)!!!

Um comentário:

  1. isso o que voces estão fazendo com a cobra esta errado soltem ela só que no meio da floresta perto de lagos ou no meio das arvores

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