quinta-feira, 31 de maio de 2012

MICHEL DE CERTEAU - O "CAMINHAR" NA CIDADE

"Os passos tecem lugares, moldam espaços, esboçam discursos sobre a cidade” . É o que Michel de Certeau defende em seu texto “Caminhando na Cidade” como sendo um “ato de enunciação”. Com base em suas afirmações, o autor compara o ato pedestre, de andar pela cidade, ao falar.

Assim, “o caminhar é uma enunciação pois o pedestre se apropria do sistema topográfico (como nos apropriamos da língua), faz do lugar um espaço (como fazemos da língua um som) e se relaciona com a cidade através dos seus movimentos” (como nos relacionamos com o outro através da língua).

Para Michel de Certeau a cidade e suas diferentes interpretações é percebido como uma linguagem textual que se dar na prática do caminhar nas ruas. Daí o mesmo afirmar que uma das formas de tentar perceber a cidade é caminhar por ela (CERTEAU, 1994).

Os gestos do caminhar urbano muitas vezes passam desapercebidos pelo olhar dos sujeitos comuns, pois “cada movimento é único” e traduz algo a ser observado somente pela ótica daqueles que subvertem a ordem do caminhar frenético da vida agitada.

Muito embora a errancia do caminhar seja uma prática recorrente no cotidiano das cidades é impossível descrever os detalhes do trajeto de um caminhante urbano, por quais caminhos passou, que gestos fez ao descer o meio-fio, aonde seus pés pararam para esperar o sinal abrir. “O caminho que a pessoa percorre jamais será o mesmo”.No instante só que ela acaba de dar um passo, não mais conseguirá reproduzi-lo.

É o que o historiador Michel de Certeau define como uso de uma retórica da caminhada. A arte de moldar percursos, que implica estilos e usos. O estilo conota o que é de cada um, o singular. O uso, por sua vez, remete a uma norma, o que é normalmente feito. “Eles se cruzam para formar um estilo do uso, uma maneira de ser e maneira de fazer.” (CERTEAU. 2004:180).

A retórica ambulante para Certeau é a adaptação linguística e a caminhada do pedestre, é a adequação linguística ao contexto espacial onde o caminhante se encontra. A maneira de fazer nesse caso, seria o falar e caminhar. Método logicamente falando. Certeau prega a análise das maneiras de apropriação do espaço, que corresponde à manipulação de elementos de uma ordem construtora, a transitoriedade e os arranjos linguísticos feitos para isso.

Para ele os movimentos lingüísticos do andar na cidade é mostrado nas práticas sociais, ou seja, a medida em que o espaço é considerado específico, por uma linguagem especifíca acaba sendo isolado. Os movimentos nos lugares promovem ausência se continuidades no espaço histórico constituído. No sentido de perceber os elementos históricos através da análise do que é dito, nos lugares comuns podemos ver uma historia fragmentaria, que se encaixam nas práticas sociais.

OBS: Historiador francês, autor de inúmeras obras fundamentais sobre a religião, a história e o misticismo dos séculos XVI e XVII. “Caminhadas pela cidade” faz parte do caítulo 7 do livro “A invenção do Cotidiano. Certeau neste capítulo usa o exemplo do World Trade Center para mensurar a supremacia econômica do lugar e a rotina de vida da cidade, a sua constante modernização e o desprezo pelo passado, ele usa a analogia de estar no alto do prédio e dominar o poder.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Arte do fazer. Petrópolis. Vozes, 1994.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O CAMINHO DOS FILÓSOFOS: ARTE DO CAMINHAR

Foto ilustrativa da arte da caminhada "Trekking" no Brasil

 Dentre as várias escolas da Antiguidade, porém, existe uma que se destaca não só pela estranheza do nome como pelo tipo de ensino incomum: o método peripatético, utilizado por Aristóteles no Liceu. Isso mesmo: o autor da Metafísica não passava de um peripatético. O exótico adjetivo se deve ao fato de ele "dar suas aulas caminhando" pelo peripatos, uma alameda situada nos jardins do Liceu. As andanças eram feitas pelas manhãs, e nelas mestre e discípulos discutiam as questões filosóficas mais profundas ligadas à metafísica, à física e à lógica.

Alguns séculos depois, o termo se desprendeu dos jardins do Liceu e passou a servir de designação a todo aquele que tem o hábito de ensinar andando. Surge assim o mais famoso peripatético de todos os tempos: Jesus Cristo. As pregações do filho de Maria eram feitas em longas caminhadas com os discípulos, que por sua vez levaram adiante seu modo de ensinar. E foi assim, através de suas caminhadas e pregações, que Jesus ajudou a combater a exploração do aparentemente invencível Império de Roma.

Dando um longo passo da época de Cristo até o século XVIII, chega-se a um dos grandes nomes da filosofia moderna: Emmanuel Kant. O filósofo, nascido na cidade de Königsberg - de onde nunca sairia -, fora capaz de pensar coisas que revolucionaram o mundo da filosofia. Apesar da mente inquieta, a vida de Kant caracterizava-se por uma rotina inquebrantável. Segundo se conta, todos os dias, às três e meia da tarde em ponto, ele saía de sua casa para seu passeio vespertino na alameda de tílias que hoje se chama Passeio do Filósofo.

A pontualidade era tanta que os vizinhos acertavam seus relógios pela hora que Kant aparecia na porta de casa para iniciar sua caminhada (reza a lenda que apenas um único dia o filósofo não caminhou: quando leu Rousseau, sua perplexidade foi tamanha que violou seu hábito). Kant não era um peripatético, posto que em seus passeios não dava lições, mas quem garante que não teria nascido dessas tardes de exercício a fonte de inspiração para os juízos sintéticos a priori, o imperativo categórico e outras de suas grandes descobertas filosóficas?

Ainda na senda da filosofia, apesar dos pensamentos distintos entre o plácido filósofo de Könninsberg e o possesso pensador do eterno-retorno, Friedrich Nietzsche, existe um ponto de encontro: o caminhar. Ambos cultivavam esse saudável hábito, mas o autor de Assim Falava Zaratustra - talvez pelo seu gênio impetuoso – fazia andanças bem mais intensas que as kantianas. Durante sua vida nômade, que lhe valeu a alcunha de “filósofo errante”, independente dos lugares onde se fixava, Nietzsche percorria diariamente longas distâncias por cerca de 6 a 8 horas e depois se entregava a uma escrita incessante na qual colocava as ideias surgidas nesse processo.

Não deve ser por acaso que seus textos são repletos de alusões a locomoção, a paisagens e a fenômenos climáticos. A consolidação máxima de seu processo de pensar-caminhar fica clara em seu mais célebre livro, que narra a trajetória de um homem que, aos trinta anos, deixa sua casa e isola-se nas montanhas por 10 anos. Após esse período, desce de lá e busca disseminar suas ideias pelo mundo afora. As quatro partes em que o livro é dividido foram escritas em diferentes lugares e épocas. Foi caminhando que as ideias para escrever Zaratustra brotaram em Nietzsche.

Para ele, andar era imprescindível para pensar. Tanto assim que no livro A Gaia Ciênciaencontra-se o aforismo: "Não escrevo apenas com a mão: o pé também quer sempre participar". Veredas literárias Uma trilha que por vezes se cruza e por vezes se afasta da filosofia é a literatura. O caminhar nela também se faz bastante presente.Em seu livro de estreia, O diário de um mago, o escritor Paulo Coelho relata sua experiência ao trilhar o Caminho de Santiago de Compostela.

No texto, o mago descreve a importância de realizar tal jornada: “A viagem, que antes era uma tortura porque você queria apenas chegar, agora começa a transformar-se em prazer, no prazer da busca e da aventura. Com isto você está alimentando uma coisa muito importante, que são seus sonhos”. Apesar de tal caminho já ser rota de peregrinação desde o século IX, o livro fez tanto sucesso que o trajeto popularizou-se ainda mais e hoje milhares de pessoas se mandam para a Península Ibérica a fim de trilhá-lo. Os motivos da peregrinação podem ser de natureza religiosa, mística, pessoal ou simplesmente para buscar emoções.

Outro famoso caminhante da literatura é Sidarta, de Herman Hesse. O príncipe de Sakyas, após largar todos os bens materiais de que era provido no palácio de seu pai e sair caminhando pelo Oriente, passa por diversas provações até que obtém a redenção, liberta-se de todos desejos e torna-se Buda. Na contramão desse caminho, desejando sobretudo o encontro com o Diabo, está o desbravador das tortuosas trilhas das Gerais, Riobaldo, protagonista da obra-prima de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. Todo o livro acontece no caminhar, nas andanças, no encontro e desencontro dos rumos.

É quando o professor Riobaldo se larga pelas veredas do sertão. Na travessia, descobre a paixão proibida por Diadorim, o amor por Otacília e a jagunçagem. Até de nome muda: Tatarana, devido à boa pontaria, e depois vira Urutu-Branco quando se torna líder do bando. Mas a dúvida crucial do romance permanece: vendeu ou não sua alma ao demo? E pergunta ao seu compadre: “O senhor acha que a minha alma eu vendi, pactário?!.” Ele mesmo responde: “O Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.”

 A caminho do mar...

Outro conhecido adepto de caminhadas é o muso sexagenário, Chico Buarque de Holanda, que usa o trajeto do final do Leblon até o Arpoador como fonte de inspiração para suas composições, livros e reflexão, pois, como ele mesmo declarou em entrevista: “eu também só sei pensar andando. Se você ficar parado, não consegue pensar. Andar eu recomendo para tudo.

Se você tem qualquer problema, dê uma caminhada – porque ajuda, inclusive, a ter ideias. Se a música ficou emperrada ou se a ideia para um livro não vem, a melhor coisa a fazer é dar uma bela caminhada. Fiquei três meses preso na cama. Eu não conseguia ter ideias. Só sonhava que andava. Foram três meses perdidos pela imobilidade”. E completa: “Associo o ato de andar ao ato de pensar, criar e compor”.

Fonte: Mariana Cruz (Blog Educação Pública)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

CAMINHAR TAMBÉM É HISTÓRIA

Resumo do trabalho que apresentarei no IV Simpósio de Ipu em julho de 2012. Pesquisa em processo de amadurecimento para o mestrado em História Cultural.

 CAMINHAR TAMBÉM É HISTÓRIA: ANDANÇAS, MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES NO USO DO ESPAÇO URBANO EM IPU (1920-1940)


Foto: Acervo fotográfico do Prof.: Francisco De Assis Martins

Por Francisco Petrônio Peres Lima 

Pensar a História por meio da prática do simples hábito de caminhar é uma forma de perceber os espaços reais e simbólicos nas experiências e memórias dos sujeitos sociais em seu tempo. As ruas e calçadas, produzidas em mapas e planos urbanísticos também evocam um passado histórico nas representações do uso do espaço.

Quem não se lembra de algum velho casarão ou sobrado ao andar a pé pelas ruas da cidade ou então das primeiras brincadeiras e namoros nas praças e calçadas. Muito embora, “a forma mais humana de deslocamento do homem” esteja perdendo o espaço para a grande quantidade de veículos automotores, ainda é possível retomar os “lugares perdidos” por meio das memórias e representações dos passeios públicos.

Em nossa pesquisa propomos analisar as lembranças, práticas e representações do “caminhar urbano” no uso dos espaços públicos em Ipu entre os anos de 1920 a 1940 e de que forma o caminhar nas avenidas e praças tentava construir um desejo por uma cidade dita moderna. Ou seja, o hábito de caminhar pela cidade em Ipu não era apenas visto como uma forma “rústica” de movimentação do homem simples, mas também uma prática recorrente pela dita melhor sociedade na idealização dos lugares “xiques” e “elegantes”.

 O “ser moderno”, pertencente a “escol social” era poder andar livremente nos passeios públicos, praças e avenidas. A construção do jardim Iracema em 1927, localizado numa área nobre, pode assim ser definido como uma tentativa em querer copiar o modelo urbanístico das “cidades jardins” dos grandes centros metropolitanos. Dessa forma o caminhar nas avenidas representava, portanto uma separação entre os espaços dos “ricos” e dos “pobres” na pequena “urb sertaneja”.

O passeio a pé nestes locais se diferenciava da forma comum do dia a dia dos andarilhos ou pessoas que circulavam outros lugares, becos e ruas de Ipu, mas ao mesmo tempo mostrava-se como um encontro de socialização e contato maior com natureza urbana. Desta maneira recorremos às fontes orais e escritas para uma melhor análise e reconstituições das lembranças e memórias do caminhante urbano ipuense das décadas de 1920 e 1940. Suas experiências sociais e cotidianas nas andanças e vivencias nos espaços da cidade.

O que não deixa de ser uma reflexão atual sobre a necessidade de rever novos valores, novos paradigmas da importância da caminhada urbana como algo histórico e saudável. Uma maneira prática de se locomover na cidade de forma sustentável, cultural e prazerosa.

UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O CAMINHAR NO SÉCULO XX

 Desde tempos mais remotos andar a pé sempre foi a forma mais humana de deslocamento do homem. Com a chamada Revolução Industrial os surgimentos do automóvel assim como as praças iluminadas e elegantes de Paris destacam-se como um referencial da chegada do progresso. Na segunda metade do século XX as separações entre veículos e pedestres passam a incorporar nos projetos de reurbanização das principais cidades brasileiras nas novas formas de moralização dos espaços.

Andar nas ruas e praças ganha novos significados e valores na memória urbana, desta forma as “elites” passam a construir novos lugares de sociabilidade nos locais de movimentação e lazer. O hábito francês do caminhar nas avenidas se incorpora na idealização da cidade moderna, das calçadas e bulevares, contrastando com a realidade social e cotidiana dos becos e cortiços. Daí a necessidade em alargar as ruas, afastar os “pobres” do centro, criar novas praças e avenidas em nome do progresso capitalista.