sexta-feira, 24 de setembro de 2010

OSVALDÃO: O HERÓI NEGRO DO ARAGUAIA



Osvaldão foi um dos 69 guerrilheiros que tombaram na selva amazônica do Pará, lutando contra as tropas da Ditadura - no episódio que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Foi o maior e mais organizado movimento de resistência contra o regime militar no Brasil. Para combatê-lo, as Forças Armadas mobilizaram um efetivo de 5 mil homens (algumas fontes falam em até 20 mil soldados!). Os guerrilheiros, porém, mais habituados à selva – estavam instalados ali desde 1967 – deram muito trabalho e impuseram duas derrotas humilhantes ao Governo, antes de serem eliminados.
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Conta Joffily que nos terreiros de terecô (religião mestiça de índio que se assemelha à umbanda na região do Amazonas), toda entidade que baixa diz que Osvaldão é imortal e, portanto, continua vivo, nas entranhas da floresta. O povo da região dizia também que o guerrilheiro tinha o poder de se transformar em pedra, árvore a até mesmo em bicho, para afugentar ou despistar o inimigo. Estas histórias, naturalmente, eram frutos da imaginação dos moradores da área. Mas o próprio Osvaldão conhecia e respeitava as lendas brasileiras e foi graças à lenda do Curupira que ele teve a idéia de inverter as solas das botinas usadas pelos guerrilheiros e, assim, confundir os soldados - que seguiam as pegadas no sentido contrário e acabavam caindo em armadilhas e emboscadas.
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Osvaldo Orlando da Costa era um negro de quase dois metros de altura e 100kg. Nascido na cidade de Passa Quatro (MG), radicou-se no Rio de Janeiro, onde foi campeão de boxe pelo Botafogo e chegou a ser tenente do Exército. Engenheiro formado em Praga, na Checoslováquia, era inteligente, gostava de dançar e tinha um bom humor inconfundível. Em meados dos anos 60, sua aguçada sensibilidade social levou-o ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Quando os militares deram o golpe e passaram a perseguir e exterminar militantes de esquerda, Osvaldão foi o primeiro a se alistar nas fileiras revolucionárias e o primeiro a chegar à região do Araguaia, onde atuou como garimpeiro e mariscador, para não levantar suspeitas.
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Sua disciplina e coragem levaram-no a ser comandante do Destacamento B – cargo que exerceu até o fim da guerra (terminada exatamente com seu assassinato, em janeiro de 1975). Osvaldão foi o último a guerrilheiro a cair. Faminto, sem armas e sem munição, doente e nu, foi surpreendido numa roça de milho por um grupo de soldados. Quem atirou, porém, foi um mateiro de nome Arlindo Piauí, contratado pelo Exército por ser conhecedor da área. Morto com uma bala de espingarda no coração, o gigante negro foi amarrado a um helicóptero, pelos pés, e exibido como um troféu à população pobre, que o apoiava. Depois, teve a cabeça cortada. Seus restos mortais nunca foram encontrados. Ele tinha 34 anos.
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Assassinado – assassinado sim, porque estava desarmado no momento do encontro – Osvaldão não teve tempo de esboçar reação ou dizer uma última palavra. O corpo tombou na direção de um remanso e o sangue tingiu o rio. Por conta disso, Marcos Quinan e Eudes Fraga gorjeiam que “o Araguaia é um rio que sente dor, pois desce ferido e sem memória na direção norte”. Apesar das inúmeras tentativas de apagar o nome de Osvaldão da história, ele figura ao lado de Zumbi, Solano Trindade, Patrice Lumumba, Martin Luther King e de tantos outros heróis negros que dedicaram suas vidas à uma causa coletiva.

Fonte: Publicado por Bruno Ribeiro no Blog "A TRINCHEIRA"

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UM BAIANO CHAMADO MARIGUELLA



Uma simples e singela homenagem a um grande brasileiro que dedicou toda a sua vida na luta pelas desigualdades sociais e soberania do Brasil e de seu povo. Refiro-me a Carlos Marighella, experiente dirigente comunista dos tempos de combate aos crimes de tortura, acima de tudo um ser humano espetacular, dedicado a “poesia”, a “natureza” e aos excluídos.

Foi, sem dúvida, uma figura implacável que não media esforços na luta contra a truculência da ditadura Civil Militar (1964-1985). Foi preso várias vezes, sofrendo bárbaras torturas, como em 1939, em São Paulo, quando seus pés foram queimados com maçarico sem, no entanto, fornecer qualquer informação aos torturadores da repressão política.

Em 1945 foi libertado com a anistia: e, 1946 eleito deputado constitunte, cassado em 1947 com a ilegalidade do PCB. Em 1948, com a repressão instaurada pelo governo Dutra,passou à clandestinidade, na qual defenderia então a luta armada como única possibilidade de derrubar o governo “civil militar” no Brasil. Foi assassinado no dia 4 de novembro de 1969 pelos órgãos de repressão em combate ao esquerdismo “terrorista.”

“Herói do povo brasileiro, demonstrou sua paixão pela vida, pela justiça e pela liberdade também por meio de poemas. Aliás, sua primeira prisão se deu por conta de um poema em que criticou o interventor Juraci Magalhães na Bahia. Marighella escrevia poesias desde os bancos da escola, onde surpreendeu professores ao fazer uma prova de Física em versos. Escreveu poemas revolucionários, evocativos e líricos, como classifica Clóvis Moura, para quem, o saldo de seus versos – sem entrarmos em considerações de avaliação de crítica literária – é revelador de uma personalidade desafiadora em todos os ramos da atividade, de uma instigante figura de homem que, pela sua natureza desafiadora deu a sua vida como último poema que escreveu em defesa da dignidade humana: um legado de beleza heróica”.

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.


São Paulo, Presídio Especial, 1939.
Carlos Marighella

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Expondo minha poesia que tanto estimo
Mas que por certo não faz sombra ao teu brilho
Tua vida e tua luta emergem do ostracismo
Para construir um Brasil liberto, e não libertino

Te fizeram prisioneiro, aos 18 anos, ainda menino
Em represália a teu poema contra o desatino
De ver teu povo subserviente, entregue ao conformismo
Conclamando-o à resistência e ao resgaste do seu brio

Te acusaram de terrorista, pois que eras um empecilho
À democracia de bravatas, da direita e do fascismo
No arcabouço das elites, o dogma do imperialismo

Te fizeste Marighella, poeta e revolucionário imbatível
Resistindo à tortura sobre o teu corpo desvalido
Crivando para sempre na história, o teu nome e o teu mito!

cacaubahia

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" Quando te vestiram de lama e sangue, quando pretenderam te marcar com o estigma da infâmia, quando pretenderam enterrar na maldição tua memória e teu nome.

Para que jamais se soubesse da verdade de teu gesto, da grandeza de tua saga, do humanismo que comandou tua vida e tua morte.

Escreveram a história pelo avesso, para que ninguém percebesse que eras pão e não erva daninha, que eras vozerio de reinvidicações e não pragas, que eras poeta do povo e não algoz.

Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo teu nome de baiano: Carlos Marighella. "

Jorge Amado

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Em seu enterro não havia velas:
Como acendê-las, sem a luz do dia?

Em seu enterro não havia flores:
Onde colhê-las, nessa manhã fria?

Em seu enterro não havia povo:
Como encontrá-lo, nesta rua vazia?

Em seu enterro não havia gestos:
Parada e inerte a minha mão jazia

Em seu enterro não havia vozes:
Sob censura estavam as salmodias

Mas luz e flor e povo e gesto e canto
responderão "presente", chegada a primavera
mesmo que tardia!

Ana Montenegro
Berlim, outono 1969
Cacaubahia

Fonte:Recanto das Letras em 02/11/2006

domingo, 19 de setembro de 2010

ELEITORES CORRUPTOS



Quem são eles?

No Brasil, estamos acostumados com a expressão “político corrupto”. A bem da verdade, as palavras “político” e “corrupto” há muito não se divorciam em uma frase. Estão sempre coladinhas. Uma perto da outra. Onde uma vai, a outra vai atrás. Onde uma está, lá está a outra também. No cenário político brasileiro elas formaram um par romântico, tal qual Romeu e Julieta.
Mas não é sobre políticos corruptos que pretendo falar. Sobre esse assunto vários jornais, revistas, noticiários, tablóides, sites, blogs, rodas de bares e mercearias têm se empenhado. Analistas políticos, filósofos, sociólogos, jornalistas, quitandeiros e engraxates tem dado seus pareceres sobre o tema.
Falemos, então, sobre a outra face da processo eleitoral. A outra vértice do assunto. O outra lado da moeda: o eleitor. Aquele que em tempos de eleição é a última bolacha do pacote. A luz no final do túnel. O prêmio de todo candidato. Mas não é sobre qualquer eleitor; é sobre o eleitor corrupto. Isso mesmo, apesar da palavra “corrupto” viver na “cola” do político, ela não é afeta somente à esta classe.
Fato é que nos acostumamos a analisar basicamente o erros de quem está no poder. As maracutáias do Planalto, os sanguessugas do Congresso ou o paraíso fiscal dos poderosos. Mas vem cá! E sobre os eleitores corruptos, ninguém nada fala? Aquele quem em tempos de eleição bate à porta dos políticos para pedir gasolina, novilha para o casamento, remédio para a sogra, cestas básicas, passagens, leitoa, emprego etc.. Sobre isso ninguém comenta nada?
Não nos enganemos. Tanto o deputado que surrupia dinheiro público, quanto o eleitor que pede/aceita um pequena ajuda são farinhas do mesmo saco. Tanto o prefeito que desvia verbas quanto o eleitor que recebe R$ 50,00 (cinqüenta real (errado, assim mesmo) em troca do seu voto estão incursos no mesmo erro: a corrupção.
Vejamos. Pegue seu dicionário. Folhei-o até a letra “C”. Especificamente na palavra corrupto. Lá estará escrito: Corrupto – aquele que se corrompe; corrompido; depravado; devasso. Para ter um visão mais completa, volte um pouco mais até à palavra corromper; e lá estará escrito: Corromper – Apodrecer; estragar; perverter; viciar; subornar.
Portanto, quando um eleitor aceita o suborno de um determinado candidato, independente do valor, seja de alguns centavos, até altas cifras (pois o que importa não é o valor mais a atitude nefasta da pessoa), ele faz a vezes do corrupto passivo, aquele que recebe vantagem de outrem. E como diz o dicionário, tal pessoa está apodrecida, estragada.
Após a aprovação da minirreforma eleitoral (Lei 11.300/06), na qual os partidos e candidatos ficaram proibidos de distribuir brindes – como camisetas, chaveiros, bonés, canetas -, cestas básicas, ou “quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor”, bem como proibidos de realizar os showmícios, com a participação de artistas, passei a ouvir uma quantidade enorme de reclamações. Dos políticos? Não! Não! Dos eleitores corruptos. Segundo eles “tal lei tirou a alegria das campanhas políticas”. Ou como disse determinado eleitor: “Ah, agora é que eu não voto mesmo, não vou ganhar nada em troca”.
Eis aí, portanto, nossos gloriosos eleitores corruptos. Aqueles que pleiteiam, pedem e requerem algo em troca do seu valioso voto. E o interessante é que fazem isso com a maior naturalidade do mundo, com a maior cara de pau, pensam que não estão fazendo nada de errado. Depois, no momento em que surgem escândalos entre os políticos, ele mesmo dizem: “Esse Brasil tá uma vergonha!”.

Valmir Nascimento Graduado em Direito, pós-graduado em Direito e Antropologia da religião, analista judiciário federal.