sábado, 4 de fevereiro de 2012

"O POVO AUMENTA MAS NÃO INVENTA": NARRADORES DE JAVÉ


Em muitas de minhas andanças(Trekking)pela serra e sertão de Ipu e região costumo fotografar e anotar as memórias e histórias mais interessantes dos lugarejos. Contos e lendas dos tempo da escravidão, Lobissomens, "botijas amaldiçoadas"e tudo mais. É comum o praticante de Trekking está muito próximo das narrativas dos homens anônimos das estradas e lugarejos. Ainda mais eu que sou um historiador e apreciador dos locais simples de minhas terra. Daí então o Trekking ter se encaixado como uma ferramenta a mais em minhas pesquisas.

No filme chamado "Narradores de Javé" há uma rápida passagem de um destes típicos locais que encontramos estrada a fora. Inicia-se com um jovem e seu mochilão correndo para pegar o último barco. Não conseguindo, o mesmo resolve se dirigir a um pequeno boteco em busca de abrigo. E neste mesmo local fica a observar e ouvir as narrativas e memórias daquelas simples pessoas de um povoado antes conhecido como Javé. É aqui onde quero chegar,ou seja, falar de um dos filmes brasileiros mais interessantes que assisti e que costumo passar para meus alunos do ensino Médio e Faculdade.

NARRADORES DE JAVÉ : o filme

NARRADORES DE JAVÉ, produzido no Brasil, por Bananeiras Filmes, em 2003; escrito e dirigido pela brasileira Eliane Caffé. Os críticos de cinema o descrevem como uma comédia dramática, baseada em fatos jornalísticos. Tendo como principais atores: José Dumont, atuando como Antônio Biá, o escrevedor das memoriais orais do povo. Nelson Xavier, como Zaqueu,um dos lideres da comunidade de e narrador da história de Javé anos após o “acontecido”. O filme conta com muitos outros personagens, destaco estes, pois a análise que farei estará centrada, basicamente nestes dois personagens: Antonio Biá e Zaqueu.

O filme inicia com Zaqueu, narrando a história da cidade de Javé , anos depois desta ser inundada pela represa. A história que Zaqueu conta aconteceu no sertão da Bahia, estando a comunidade de Javé ameaçada por uma inundação da hidrelétrica, construída na região. Para tentar impedir está tragédia, os moradores do povoado resolveram escrever sua história e tentar transformá-la em patrimônio histórico, a ser preservado. Essa história tinha que ser escrita através de um documento científico: um dossiê. Mas quem poderia escrevê-la? O único adulto da comunidade, alfabetizado e bom nas “escrituras” era Antônio Biá (José Dumont).

Foi ele o escolhido para escrever este documento “científico”, embora a comunidade de Javé, não confiasse nele. O povo o chamava de “sacanajeiro, enganadô”. Porque as pessoas de Javé o chamavam assim? Zaqueu conta, que no passado ele, o Biá usou do poder da escrita para enganar as pessoas. Ele era funcionário do único Posto de correios da cidade. Por ser uma comunidade não-alfabetizada, o correio passou a ser um local, quase sem função social, as pessoas não utilizavam a tecnologia da escrita no seu cotidiano. Antônio Biá, percebe a ameaça de ficar sem seu emprego, pois o correio estava para ser fechado, pela ausência de uso da escrita.

Então, ele cria a estratégia para não perdê-lo. Passa a escrever cartas para outras localidades, em nome das pessoas do Vale de Javé.. Fofocas eram o conteúdo das cartas, como bem relata Zaqueu:“Ele aumentava os fatos acontecido, com malícia e difamando. Mas tudo era feito com graça e sapiência do ofício de escrever”. Ao ser descoberta sua farsa, foi expulso do centro deste vilarejo. Mas a mesma comunidade que o expulsou, a tempos atrás, naquele momento, precisava de “seus serviços”. Zaqueu ,afirma que ele teria que escrever o documento cientifico de Javé, pois ele é tido com um bom escritor: “Se Antônio Biá escreve mentira, escreve muito bem!!! E para fazê um dossiê, tem que fazê uma juntada de escrita das coisas que aconteceram por aqui...Ouvindo a nossa gente contando pela boca, a história verdadeira, a científica.”

Depois dessas declarações, Antônio Biá foi obrigado a aceitar o cargo de escrevedor. O povo passa, a contar, narrar as memórias orais, na esperança de salvá-los da moderna tecnologia, a hidrelétrica, que fará o povoado desaparecer nas águas.

O escrevedor de memórias já estava contratado, urgentemente, ele precisava ouvir os relatos das memórias, das histórias orais feitas pelos narradores de Javé, isto é, os moradores e as moradoras deste Vale. Nesta fase, do filme Biá passa visitar as casas dos moradores e pedir-lhes que conte os fatos acontecidos: “Conte as lembranças Javélicas, históricas e pré-históricas para gente por no livro a odisséia do Vale de Javé”, falava o sacanajeiro!

Javé e seu povo. Eles e elas, moços e moças, crianças, velhos, velhas, mulheres e homens, negros e negras, em sua maioria; poucos brancos e muitos mestiços, todos nordestinos; se diziam esperançosos/as ao narrarem as memórias de sua Javé. Histórias contadas de várias versões, enredos, e cenários; desde guerreiros e guerreiras, heroínas e heróis, mendigos homens sofredores de “dor de corno”. Tinha até quem dissesse que os “Javélicos e Javélicas” vieram da África. Apesar desta variedade de fatos e de versões, o fundador da cidade, o Javélico Indalécio e Mariadina, sempre apareciam nas prosas das autonarrativas do Vale.

A história da vida deste povoado é a história das narrativas que ouviram, viram, e quase nada escreveram. A cada narrador uma outra história. A mesma Javé tinha sentidos diferentes, tanto para aquele que contava, quanto para aqueles/as que ouviam. Produzindo assim, multiplicidade de histórias e diferentes efeitos de sentidos. Somos, constituídos e atravessados pelas nossas histórias e pelo que narramos delas. LARROSA (1996), diz que a auto-narrativa é um dos lugares que a pessoa ocupa provisoriamente para si mesmo, com a presença de sua própria voz.
Como já referi anteriormente, Antônio Biá, passa a ser o escrevedor das memórias do povoado, o único adulto alfabetizado da comunidade. E Antônio Biá passa a ter o papel de transpor para o papel as falas do Vale de Javé.

Do resumo de Sônia Regina da Luz Matos ( Narradores de Javé: o filme)
Professora da Universidade de Caxias do Sul- RS Centro de Filosofia e Educação

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

POESIA TREKKING: O "EU" CAMINHANTE


Foto: Petrus Trekking (Estrada que leva a trilha do Regalo em Ipu)

O “eu” caminhante...

Às vezes tenho vontade de sumir
De percorrer caminhos inóspitos...
Assim,poder sentir o brilho do sol mais intenso

Olhar o azul do céu por sobre as montanhas
Deixar o vento secar minhas lágrimas
E varrer da lembrança os sonhos perdidos

Às vezes tenho vontade de gritar bem alto
Dizer a todos o que vi na estrada
O que sinto ao tocar o chão...

Não quero falar somente das pedras
Das noites frias em silêncio
Das ilusões dos homens em prece
Insinuosas trilhas do destino...

Não, eu vou seguir sozinho
A luz que traz o eu caminhante
Andarilho de mim mesmo...

Quero aprender com o mundo
O que não me ensinaram
Sentir meus próprios passos
Olhar adiante e seguir sorrindo.

22/01/2011
Petrônio Lima (Petrus Trekking)