sábado, 16 de abril de 2011

A POESIA DE FERREIRA GULLAR


O homem está na cidade
como uma coisa está na outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade

mas variados são os modos
como uma coisa
está em outra:
o homem, por exemplo, não está na cidade
como uma árvore está
em qualquer outra
nem como uma árvore
está em qualquer uma de suas folhas
(mesmo rolando longe dela)
como uma árvore está num livro
quando um vento ali a folheia

a cidade está no homem
mas não da mesma maneira
que um pássaro está numa árvore
não da mesma maneira que um pássaro
(a imagem dele)
está/va na água
e nem da mesma maneira
que o susto do pássaro
está no pássaro que eu escrevo

a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa

cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma

a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas

Buenos Aires
Maio/outubro 1975

(Trecho final do livro Poema Sujo, que o poeta Ferreira Gullar escreveu no exílio, em Buenos Aires, já sem passaporte, com a ditadura militar argentina assassinando a oposição. Gullar escreve esse poema como se estivesse dando seu último depoimento vivo. O Instituto Moreira Salles lançou no mês passado um vídeo com o poeta lendo todo esse seu longo e belo texto.)

Fonte: Blog do Prof. Carlos Augusto de Camocim

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A INQUIETAÇÃO DO ANDARILHO


Nada me prende, a nada me ligo, a nada pertenço.
Todas as sensações me tomam e nenhuma fica.
Sou mais variado que uma multidão de acaso,
Sou mais diverso que o universo espontâneo
Todas as épocas me pertencem em um momento,
Todas as almas um momento tiveram seu lugar em mim.

Fernando Pessoa (Passagem das Horas, 2002, p. 247)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

CUIDADO AO DAR UMA DE "TARZAN" POR AÍ!..


Um grupo de alunos formado por 60 crianças e um professor de uma escola particular da Capital ficaram isolados durante nove horas na floresta do Parque Nacional de Ubajara, na Serra da Ibiapaba, no último sábado (2). Eles participava de uma excursão pela região.

Segundo a polícia, os alunos e o professor entraram no parque sem comunicar à administração e ao Corpo de Bombeiros. Na volta, quando tentaram subir a serra, o grupo percebeu que o bondinho estava quebrado e tentou voltar pela trilha. Com a forte chuva, o nível do rio que corta o Parque subiu e impossibilitou a passagem.

O resgate dos alunos foi feito pelo professor, com auxílio de uma corda. O grupo só conseguiu descer a serra depois das 22 horas de sábado.

Fonte: Ipu Notícia, com informações da Jangadeiro Online e Diário do Nordeste

sábado, 2 de abril de 2011

CAMINHAR É PRECISO!..


Foto: Petrus Trekking - Caminhos do Sertão

Eu já disse quem sou ele.
Meu desnome é Andaleço.
Andando devagar eu atraso o final do dia.
Caminho por beiras de rios conchosos.
Para as crianças da estrada eu sou o Homem do Saco.
Carrego latas furadas, pregos, papéis usados.
(Ouço harpejos de mim nas latas tortas.)
Não tenho pretensões de conquistar a inglória perfeita.
Os loucos me interpretam.
A minha direção é a pessoa do vento.
Meus rumos não têm termômetro.
De tarde arborizo pássaros.
De noite os sapos me pulam.
Não tenho carne de água.
Eu pertenço de andar atualmente.
Não tive estudamento de tomos.
Só conheço as ciências que analfabetam.
Todas as coisas têm ser?
Sou um sujeito remoto.
Aromas de jacintos me infinitam.
E estes ermos me somam.

(Manoel de Barros, O Andarilho)