terça-feira, 28 de dezembro de 2010

DICA DE FILME: "NA NATUREZA SELVAGEM"


NA NATUREZA SELVAGEM

"A felicidade só é verdadeira quando é compartilhada"

A modernidade separou o homem da natureza e o tornou obcecado pela idéia do progresso material, tendo como símbolo maior a busca de uma carreia promissora e capitalista ao extremo. O resultado não poderia deixar de ser outro se não uma sociedade competitiva e individualista.Tudo isso somado ao consumismo exagerado e a corrupção dos próprios valores e desejos do homem moderno, construídos então a partir do século XX.

Convido os caros leitores e amigos do Blog a compartilhar comigo uma pequena análise da sociedade atual a partir filme “Na Natureza Selvagem” e entender melhor sobre o que acabamos de escrever. Trata-se de um filme que nos leva a refletir profundamente sobre as relações humanas e o afastamento do homem com as coisas simples da natureza. Vejamos então um breve resumo desse maravilhoso e interessante filme e em seguida um vídeo da belíssima trilha sonora do filme na voz de Eddie Veeder, vocalista do Pearl Jam.

Na natureza selvagem (Into the wild, 2007) é um filme baseado em uma história real (do diretor Eric Gautier, o mesmo de "Diários da Motocicleta", filme do diretor Walter Salles sobre Che Guevara) que se passa na década de 90, retratando um jovem de classe média alta que acaba de ser formado em Direito, com notas boas o suficiente para ingressar em Harvard.

É um apaixonado pela literatura, e apesar de sua pouca idade já é um erudito, conhecedor dos mais renomados mestres universais, muito citados ao longo do filme. Ao contrário do que se espera de um jovem rico e com uma carreira brilhante Christopher McCandles é desapegado ao luxo, tanto é que recusa o presente dos pais, um carro novo pela sua formatura e o custeio de toda a sua formação superior.

Criado por pais neuróticos, egoístas e absurdamente materialistas, uma recatada família de classe alta, Christoph (Emile Hirsch) tinha tudo o que os ideais de um “bom homem” prescrevem, entretanto, ele tem outros planos. Quer rodar o mundo, se misturar à natureza, ser parte dela. Se desfaz de tudo o que tem, de todo o seu dinheiro e resolve “fugir”. Abandona o seu carro velho à beira da estrada e queima os seus documentos, deixa formalmente de existir.

Descontente com as “regras” de um homem polido pela civilização, Christopher resolveu partir em busca de aventura, de liberdade, de viver os momentos sem rumo, deixando se levar por conta do devir, porém, leva consigo o sonho de visitar o Alasca.

Sem nada no bolso, apenas uma garrafa de água, sua mochila com roupas, livros e diário, ao longo de sua aventura, irá se deparar com várias pessoas; uma comunidade hippie, um velho solitário, um fazendeiro… companhias agradáveis e desagradáveis, seres humanos que alegram e que desprezam, garantindo assim, uma diversidade de relações ao longo de sua aventura.

O filme se apresenta como uma boa opção para o espectador que queira revolver entre os aspectos sociais e culturais nas quais estamos imersos; e que, muitas vezes, nos cegam diante da vida, fazendo de nós meros joguetes de disputas entre as relações de poder que se processam no substrato civilizatório, tornando-nos assépticos de sentido durante nossas vivências.

Para quem gostar do assunto e quiser uma análise mais profunda sobre o jogo de forças entre as díades progresso/regresso sob o plano da civilização/homem, recomendo a leitura do clássico “Mal-estar na civilização” (1929) de Freud.

Vejamos então abaixo a linda trilha sonora do filme na voz de Eddie Veeder, o já citado vocalista do Pearl Jam.

Eddie Vedder Long nights (Into the Wild soundtrack)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

...MEUS PRÓPRIOS PASSOS!!!


Em homenagem a todos os poetas e andarilhos desse imenso sertão nordestino. Em especial a um amigo historiador da UECE. Raimundo Arcanjo, outro andarilho da vida que também vive a seguir o seu caminho com os próprios passos.

Cântico negro
José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

Assista abaixo o video (Cântico Negro) do poema de cunho existencialista declamado pela genial Maria Bethania em 1982.

CANTICO NEGRO

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

CASINHA PEQUENINA


Foto: Petrônio Lima - O Poeta Andarilho

“Quem não tem uma casinha pequenina
na memória, mesmo distante, de algum dia
não sabe o que é ser feliz!
Não conhece do amor, sua magia.”

A fotografia acima foi tirada em janeiro de 2009, quando na ocasião me aventurava pelas estradas e trilhas do sitio Regalo e São Mateus em Ipu.

"FILOSOFIA NO BOTECO" - METAFÍSICA


Para quem não aguenta mais aquele papo chato, inconveniente e vazio de certos "elementos boçais" metidos a rico que se encostam em determinado "Bar" ou "Boteco" e acham que estão abafando!..E você miseravelmente se ver quase que na obrigação de ouvir as mesmas piadas e "lamúrias", sem falar no resumo do último campeonato do time preferido de seu "forçado" companheiro de mesa... Mostraremos aqui um boteco diferente do que somos habitualmente acostumados a frequentar.Trata-se de pessoas que também gostam de viver o cotidiano,jogar conversa fora, mas também refletir sobre temas clássicos e filosóficos. Entre uma cerveja e outra um grupo de amigos analisa sobre a questão da metafísica, mostrado em um pequeno video do Blog "Filosofia no Boteco". Aqui não há espaço para discutir "Luan Santana" ou então "Capítulos de Novelas"!..Antes do video vejamos um rápido comentário escrito sobre o assunto.

Vou tentar não definir coisa alguma "definitivamente" porque meu colega Teles e eu temos definições diferentes sobre o tema. Começamos o vídeo tentando achar uma apropriada definição de metafísica. Tradicionalmente, metafísica é a ciência do ser enquanto ser. Isso quer dizer que é uma ciência que abrange todo o escopo do ser e não, como nas ciências normais, apenas em relação a uma parte do ser (como a psicologia estuda a mente e a geologia estuda a terra). Porém, na modernidade, a metafísica foi desacreditada enquanto ciência e a acepção de ciência veio a ser a que se tem atualmente. Para Kant (1724-1804), quando a metafísica deixa de ser ciência, então seu conteúdo não pode ser conhecimento, pois o conhecimento é resultado da ciência. Numa definição etimológica, pode-se entender metafísica (meta + física = além da natureza) como o estudo sobre o que há além dos dados sensíveis. Estes, os dados sensíveis, são objeto de estudo das ciências. Exemplo de coisas que não são objeto de estudo da ciência e sim da metafísica: Deus, alma, liberdade, causalidade. A causalidade, por exemplo, é pressuposta pela ciência.

Posteriormente, discutimos sobre a relação da religião com a metafísica. Cada religião tem seu sistema de metafísica (tais deuses e tais anjos). A questão que viemos a nos ater foi se, desse sistema de metafísica, poder-se-ia derivar um código de ética. Ou se o código de ética é independente do sistema de metafísica.

Assista abaixo o video do Blog acima mencionado. Você também é convidado especial a comentar sobre o assunto em nosso Blog. Um abraço e um Feliz Ano Novo a todos!!!

Fonte: Blog "Filosofia no Boteco."

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

POR QUE QUEREMOS TANTO UM CARRO?


Quanto você gasta por mês com o seu carro? Seja nas parcelas do financiamento, IPVA, seguro, combustível e manutenção, ou ainda nas horas parado no congestionamento, procurando vagas no estacionamento ou calibrando os pneus, o fato é que destinamos boa parte do nosso tempo e dinheiro no que deveria ser apenas um meio de deslocamento entre um local e outro.

Diversos fatores históricos, sociais e econômicos fizeram com que o carro deixasse de ser apenas um veículo para se tornar um símbolo da sociedade atual, onde a valorização dos bens materiais é mais importante que o respeito ao próximo e as questões individuais se sobrepõe ao bem coletivo.

Essa inversão de valores é uma das grandes responsáveis pelos problemas encontrados no trânsito das grandes cidades, afirma a professora Gislene Macedo, do curso de psicologia da UFC/Sobral, doutora em psicologia do trânsito e ex-membro titular da Câmara Temática de Educação e Cidadania do Contran.

“Invertemos o valor do coletivo para o individual, o que causa um problema para todos já que, à medida que você investe mais em um, você deixa de investir no outro”, diz. Esse é apenas um dos fatores que transformou um simples meio de transporte em objeto de desejo e símbolo de valores mais profundos que a mera mobilidade.

Quem reforça essa perspectiva é o antropólogo Roberto Da Matta. Em entrevista à Revista Trip, ele justificou o comportamento dos brasileiros no trânsito com a incapacidade de sermos uma sociedade igualitária. Para ele, as pessoas não instituem a igualdade como um guia para as suas condutas, o que leva a um pensamento aristocrático de que uns podem mais do que outros.

“É doentio, desumano e vergonhoso notar que 40 mil pessoas morrem por ano no trânsito de um país que se acredita cordial, hospitaleiro e carnavalesco. No Brasil, você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. Ou superior a outro motorista porque tem um carro mais moderno ou mais caro” - Roberto Da Matta.

A conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Andréa Nascimento, lembra ainda que o modelo de vida e de mobilidade existente hoje inclui o carro na rotina das pessoas, que o levam como parte essencial do dia a dia. “Nele deixo livros, roupas, sapatos, escolho a quem dou carona, coloco som no volume que eu quiser, disputo o espaço público, pois quero fluidez”, afirma em entrevista concedida a Perkons.

Segundo especialista, a ascensão da indústria automotiva nos anos 50 levou à ideia de que ter um carro era sinônimo de sucesso individual.A raiz do problema, segundo Da Matta, está na ascensão da indústria automobilística nos anos 50. “Isso criou o delírio de que ser dono de um carro é o coroamento do sucesso individual. E até hoje, mesmo com o mundo em colapso, não conseguimos nos livrar dessa mentalidade. Quando nós adotamos o transporte individual, estamos retomando a ideia da cadeirinha carregada por escravos do Brasil colonial”, relembra o antropólogo.

Consequências

Segundo levantamento do Ministério das Cidades e do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), em abril de 2010 o país já contava com uma frota de mais de 60 milhões de veículo automotores, sendo 35 milhões automóveis (57% do total) e 12 milhões de motocicletas (21%), enquanto que a frota de ônibus era de pouco mais de 430 mil unidades (0,7%).

Para Gislene, essa vitória dos carros e motos sobre os transportes coletivos deve ser comemorada apenas pelo setor automotivo. “Existe uma manutenção da indústria automotiva para manter essa cultura na sociedade. Eles comemoram e enquanto alguém ganha muito dinheiro, muitos perdem suas vidas”, diz.

Outras consequências deste fenômeno são vistas no aumento dos engarrafamentos, na maior poluição do ar, na desvalorização do transporte coletivo, na dificuldade em organizar o trânsito e no avanço do número e da gravidade dos acidentes, “o que é ainda pior”, garante a psicóloga.

Ela lembra que a média de ocupação dos veículos em cidades como São Paulo é de 1,5 passageiros por carro. Além dos problemas já citados, esse fenômeno leva a outras consequências sociais, como a solidão e o distanciamento. “Fecha-se o vidro, coloca-se o fumê, cria-se um isolamento e sua relação com o que esta fora daquele universo é cada vez menor. É uma pena que as pessoas estejam escolhendo essa opção”, opina.

Em busca de um trânsito mais humano.

Na contramão desse pensamento estão os conceitos de mobilidade humana e cidades saudáveis, que buscam substituir os veículos individuais motorizados por transportes públicos não motorizados. Segundo Gislene Macedo, a razão, acima de tudo, é a defesa da vida.

“Quem sofre todo o impacto dos problemas gerados pela mobilidade motorizada e individualizada é o setor de saúde, e por tabela nós que pagamos os impostos”. Ela lembra ainda que é por conta disso que esse setor tem se engajado e mobilizado em prol da causa “até mais que os órgãos responsáveis pelo trânsito”.

Para a psicóloga Gislene Macedo, o fenômeno ainda leva a consequências sociais, como a solidão e o distanciamento.

Mas para atingir esse objetivo será preciso passar por cima de muitos desafios, lembram os especialistas. E mais do que pequenas atitudes individuais, será preciso tornar esse tema um assunto político. “Essa questão precisa ser defendida e respaldada pelos políticos, precisa fazer parte das suas propostas e agendas. Aos poucos vamos diminuir essa diferença até chegar o momento em que seremos obrigados a isso e talvez com mais ônus”, alerta Gislene.

Andréa faz coro e lembra que cada vez mais o governo opta pelo comércio de carros individuais, em vez de investir em outros modais que levariam a uma mudança de comportamento para outras formas de transporte.

“A redução de IPI, por exemplo, gerou nas pessoas uma demanda por carro novo para quem não tinha e para quem já tinha, que em alguns casos, nem era necessária a troca. Enquanto nosso modelo de mobilidade, de transporte, estiver sobrepujado ao modelo individualista, será muito difícil que o espaço público seja realmente público”, defende a conselheira do CFP.

“É preciso inverter a lógica existente hoje de que andar a pé, de ônibus ou de bicicleta é coisa de pobre. Precisamos de lugares seguros onde guardar nossas bicicletas, ciclovias, respeito dos outros transportes, e, acima de tudo, mudar a lógica de investimento que gasta milhões por ano para manter um sistema de trânsito totalmente voltado para o individual motorizado” - Gislene Macedo

Mas apesar de vislumbrar um futuro livre dos carros, Gislene sabe que essa é uma realidade pouco provável. “Acho dificílimo, em alguns casos acho até que é utopia”, lamenta. Ainda assim, ela acredita que é necessário seguir lutando por um trânsito mais sustentável – e não por capricho ou opção. Segundo a especialista, no futuro “não teremos saída”.

“É difícil, mas precisamos continuar demarcando isso não só no Dia Mundial sem Carro, mas todos os dias. Isso deve ser uma prática no nosso cotidiano. Deve ser incorporado como parte do nosso valor pessoal”, diz à professora que não tem carro, só usa a bicicleta para se locomover pela cidade “e queria morar mais longe do trabalho para poder pedalar um pouquinho mais”.

Fonte de pesquisa: Eco desenvolvimento.org. Informação para um mundo sustentável

A SERPENTE ENCANTADA DO SÍTIO SÃO PAULO


"...E, diante daquela enorme cobra que por sobre o talhado atravessava vertiginosamente as matas do Ipu deslizando calma e majestosa entre as pedras da deslumbrante cachoeira, via-se a grandiosa sombra animalesca... O chão tremia,o céu parecia escurecer, as mulheres rezavam, os homens escondiam-se, as crianças choravam. Os animais fugiam em enorme retirada...A cidade maldita estava condenada a cumprir o destino profético que tanto falavam os nossos antigos ancestrais africanos. O mostro adormecido acordava novamente..." (Petrônio Lima)

Diz a lenda, contada nos tempos da escravidão pelos velhos moradores da vila Nova do Ipu Grande , mais conhecida nos versos da cantiga de um antigo cantador de viola (negro Lourenço), que uma vez por ano a enorme Serpente descia da serra e ia beber nas margens do Ipuçaba. Tal mostro rastejador tinha como morada o Sitio São Paulo,um agradável sitio localizado por sobre a pequena vila onde lá funcionava um modesto engenho de propriedade da Dona Ana Ferreirra Passos.Uma velha senhora que segundo os antigos gostava de judiar e torturar seus poucos escravos que por lá trabalhavam.

Em algumas de minhas trilhas por aquela localidade tive o cuidado de registrar e colher vários depoimentos orais onde afirmam dizer que realmente a velha senhora gostava de judiar com seus escravos. O que lhe custou o apelido colocado pelos negros cativos de “Dona Cobra”, segundo os nossos entrevistados. Lá adentrei a antiga residência e tirei algumas fotos do local mais surpreendente e assustador, um pequeno quarto que servia para “maltratar e até esquartejar” os escravos mais rebeldes, dissera então um senhor mais velho. É um local impressionante, entretanto a estrutura original do pequeno engenho não mais existe, só alguns vestígios quase imperceptíveis que somente aos olhos de um pesquisador é possível reconstruir algumas memórias esquecidas pelo tempo e silenciadas pelos homens.

E entre uma xícara de café e outra, sentado no alpendre da velha casa a conversa fluia agradavelmente e eu aproveitava para anotar e gravar as falas e versões da lenda da enorme serpente. Todos diziam que se tratava de uma praga assustadora dos tempos da escravidão. A mesma senhora de escravos que teve como castigo divino transformar-se numa enorme cobra e não mais assumir sua feição humana. Vindo então a rastejar eternamente pelas matas do Ipu. Por alguns instantes, ao ouvir as narrativas do velho senhor lembrei dos contos e lendas dos tempos de menino quando morava no sitio Regalo em noite de lua cheia, em sua maioria estórias contadas por minha própria mãe. Daí então comecei a rabiscar um pequeno trecho com o título: “A Serpente Encantada do Sitio São Paulo ,” uma pequena escrita em forma de poesia,no qual pretendo postar na íntegra logo em breve nesse mesmo Blog.

“...E, diante daquela enorme cobra que por sobre o talhado atravessava vertiginosamente as matas do Ipu deslizando calma e majestosa entre as pedras da deslumbrante cachoeira, via-se a grandiosa sombra animalesca. O chão tremia,o céu parecia escurecer, as mulheres rezavam, os homens escondiam-se, as crianças choravam. Os animais fugiam em enorme retirada...A cidade maldita estava condenada a cumprir o destino profético que tanto falavam os nossos antigos ancestrais africanos.O mostro adormecido acordava novamente...”

Em uma das versões mais conhecidas na cidade diz que por volta mais ou menos da década de 1840, pouco depois da emancipação política da antiga vila, foi encontrado no túmulo de Dona Ana Ferreira Passos uma imensa cobra. Tal fato se espalhou em toda a redondeza, dando a entender que a referida senhora, no “imaginário popular”, tinha de fato virada uma enorme serpente, e voado por toda a vila indo então descansar nas matas do sitio São Paulo de onde passaria a ser sua dormida misteriosa. No entanto a versão ainda hoje mais aceita naquela localidade é de que a referida senhora, já em sua idade provecta fora encontrada nos matos bem perto de seu sitio com a metade do corpo praticamente coberto de escamas e que seus parentes teriam feito uma imensa gaiola de ferro e botado a mesma dentro.E como ela crescia rapidamente resolveram levá-la até o litoral de Camocim, colocando-a em um navio para soltá-la no meio do mar.

Em mais uma de minhas caminhadas e trilhas pras bandas do sitio São Mateus de Ipu, outro sitio próximo a cidade, consegui colher alguns depoimentos e trechos da cantiga do velho negro africano "Lourenço" sobre a “lenda da Cobra” na fala de um dos poetas populares conhecido como “PAIZIM DÃO”, parente de músicos e poetas tradicionais da cidade.

Veja então alguns pequenos e interessantes trechos da cantiga popular referente ao cotidiano do cantador na cidade. Supostamente de autoria do mesmo, ela traz a figura da “Cobra Encantada” contida em seus versos, misturada com uma pequena dose da política local dos tempos dos coronéis. Segundos depoimentos orais o negro cantador era protegido pela família Martins e que tal lenda servira de propaganda pejorativa contra o grupo político e inimigo da época (os Porfírio), sendo que o mais envolvido nas querelas politicas era neto de D. Ana Ferreira. Isso mesmo, a velha senhora dona de escravos que supostamente teria virado cobra!..Sem dúvida, uma cantiga que evidencia a beleza da narrativa popular, cedida gentilmente por “Paizim Dão” e por outro folclorista e poeta Florival Vale de Paiva no dia 03/09/2006.

Tando eu cantando a cobra
No salão de seu Bolsão
Quando chega o seu Porfírio
Me dando voz de prisão.

Quando eu ia pra cadeia
Eu fui bem devagarim
E fui logo me valendo
Da mulher de seu Martim

Me vai-la dona Adelaide
Lhe peço por caridade
Venha soltar seu “neguim”

Quando sai da cadeia
“Divagarim” eu andei
E para dona Adelaide
Um “pade” nosso rezei

Foi logo depois das doze
Quando cheguei no “quatorze”
A mesma cobra cantei:

Ditado da cobra, le firo, le firo
O primeiro que eu como
É meu neto Porfírio!..

A cobra voava
Soltando assobio
Da quina da serra
Pra beira do rio...

Vale ressaltar que a lenda de enormes cobras sempre estiveram relacionados aos mitos e crenças dos antigos indígenas da Amazonas.Era muito comum a afirmação de que as cobras buscavam as mulheres para engravidá-las e acreditava-se também, que a partir da primeira menstruação, as jovens índias virgens estavam particularmente sujeitas a atraírem "o amor de uma serpente", por este motivo, elas evitavam de irem ao mato ou a beira de um rio, quando menstruadas.

Aqui no Ceará, mais precisamente no começo do século XVIII a influencia das tradições orais africanas sofreram consideráveis modificações nos mitos,lendas e crenças do povo interiorano. Considerando o fato de que o negro também contribui na formação de uma cultura popular rica e diversa. Suas expressões criativas adaptaram-se a beleza das velhas narrativas e crônicas do romanceiro português. Dos candomblés e senzalas foram às velhas amas-de-leite (akpalô) que preservaram a tradição oral dos cantos e lendas africanas no interior do nordeste brasileiro. A cantiga acima talvez seja um exemplo maior dessa afirmação, onde a lenda da "Cobra do Sitio São Paulo" é mostrada através de uma comicidade satírica e envolvente nos versos do cantador negro Lourenço.

Podemos então considerar a importância dos mitos e lendas na construção da identidade local de um povo. Uma memória que não só se restringe no meio da produção da história oficial, mas na vivência cotidiana das "pessoas comuns" e de suas narrativas ainda pouco valorizadas. O interessante é que, muitas das lendas e histórias de enormes cobras e serpentes são contadas em quase todas as regiões brasileiras. No Pará, por exemplo “há uma velha crença de que existe uma cobra grande adormecida embaixo de parte da cidade, sendo que sua cabeça estaria sob o altar-mor da Basílica de Nazaré e o final da cauda debaixo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Outros já dizem que a tal cobra grande está com a cabeça debaixo da Igreja da Sé, a Catedral Metropolitana de Belém, e sua cauda debaixo da Basílica de Nazaré. Os mais antigos dizem que se algum dia a cobra acordar ou mesmo tentar se mexer, a cidade toda poderá desabar.”

Lenda semelhante com a do São Luis do Maranhão e que foi musicalizada nos versos do poeta Zeca Baleiro. Convido-o(a) a ouvir atentamente a maravilhosa música deste grande poeta maranhense logo abaixo. Você vai ficar encantado(a)!!!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O HISTORIADOR: VIDA NECRÓFILA


"Aquele que vive de flertar o tempo
Guarda os anos nos bolsos
Sofre o arder dos séculos nos olhos
Mastiga as estruturas de vidas inteiras
E engole a seco.

Digerir o pretérito demora
O tempo é um prato pesado
Jogar com a vida num tabuleiro de idéias
É o grande privilégio
De brincar com os anos
Envelhecendo junto com o passado.
Viver muitas centúrias em dias
E sair vivo
Pra contar a história."

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

MONÓLOGO DE UM ANDARILHO



Não sou noite, nem sou dia,
Nem vento, nem calmaria,
Não tenho voz, nem sou mudo,
Não sou nada, nem sou tudo,
Não sou fome, nem fartura,
Nem sensatez, nem loucura,
Nem relento, nem abrigo,
Não sou longe, nem sou perto,
Não sou mar, nem sou deserto,
Não sou rei, nem sou mendigo...
.
Sou o que presta e não presta,
Sou funeral e sou festa,
Sou errado e sou correto,
Sou letrado e analfabeto,
Sou deista e sou ateu,
Sou os outros e sou eu,
Sou pacífico e sou brabo,
Sou real, sou ilusão,
Sou o sim e sou o não,
Sou um deus, sou um diabo...
.
Sou parte da romaria,
Sou a fina hipocrisia,
Sou mais ou menos a média
Da tragédia e da comédia...
Sou verdade e sou mentira
Sou a calma e sou a ira,
Sou alegria e sou pranto,
Sou achado e sou perdido,
Sou sorriso e sou gemido,
Sou o encanto e o desencanto...
.
Sou passado e sou presente,
Precavido, inconsequente,
Sou o ódio e sou o amor,
Sou medo e sou destemor,
Sou machado e sou o lenho...
Não sei de onde é que venho,
Não sei pra onde é que vou...
...E assim perdido na estrada,
Numa confusão danada,
Não sei que diabo é que sou!!!

J.A.B(Um anônimo das estradas)

sábado, 4 de dezembro de 2010

SE EM TERRA DE CEGO...


Se em terra de cego
Quem tem um olho é rei
Imagine quem tem os dois

É muito quadro pr'uma parede
É muita tinta pr'um só pincel
É pouca água pra muita sede
Muita cabeça pr'um só chapéu

Muita cachaça pra pouco leite
Muito deleite pra pouca dor
É muito feio pra ser enfeite
Muito defeito pra ser amor

É muita rede pra pouco peixe
Muito veneno pra se matar
Muitos pedidos pra que se deixe
Muitos humanos a proliferar

-Do Muito E Do Pouco-
(Zé Ramalho E Oswaldo Montenegro)

Do Muito e do Pouco (Oswaldo Montenegro / Zé Ramalho)