terça-feira, 12 de outubro de 2010

IPU E O DISCURSO DA NATUREZA ENCANTADA – PARTE I



A idéia de escrever esse artigo surgiu a partir de minha retomada de contato com a prática esportiva e cultural das caminhadas, trilhas e acampamentos a qual costumo realizar vez por outra em alguns dias de folgas e feriados. De tanto me embrenhar nos matos, observar de perto a natureza e sua degradação ambiental comecei então a me interessar cada vez mais pela leitura e escrita da cidade e suas descrições geográficas e narrativas sobre o espaço natural.

Ao reler meu trabalho dos tempos de graduação do curso de história da UVA ( “Iracema:” Trilhas e Memórias de um Mito. Da Literatura ao Espaço Urbano de Ipu) que de certa forma tem tudo haver com o assunto aqui levantado comecei então a amadurecer cada vez mais a idéia em analisar o discurso produzido sobre o imaginário urbano em Ipu e sua relação com literatura de cunho “ecológico.”

Seguindo nesta mesma linha pretendo, pois, através desse primeiro momento de minha escrita levantar algumas questões preliminares de como surgiu todo este discurso sobre a cidade não apenas como fator de preocupação do tão falado “resgate histórico” mas refletir numa perspectiva interdisciplinar as relações estabelecidas entre homem, história e natureza nas diversas práticas e representações discursivas do imaginário urbano.

Para isso é preciso enfocar como objeto de investigação os impactos da ação humana na natureza sem se limitar, portanto somente a questão física, mas também as formas simbólicas, suas experiências e manifestações culturais nos espaços de memória da cidade.

Em algumas de minhas andanças, seguindo os trilhos e trilhas que levam ao local onde tempos atrás (1932) funcionou o Campo de Flagelados (Campo de Concentração) de Ipu, pude então perceber o quanto o trem representou toda uma tecnologia direcionada a exploração dos recursos naturais em nome do desenvolvimento urbano, econômico e social da cidade, como também veio permitir o surgimento de reações a esse tipo de discurso por parte dos sujeitos sociais marginalizados, o que não cabe aqui entrar em maiores detalhes.

Pois bem, com a chegada da ferrovia em Ipu (1894) esse novo tipo de relacionamento com a natureza passou então permear os discursos dos “agentes civilizadores” no sertão norte da Ibiapaba. A valorização ao trabalho, a idéia de felicidade estável, sem conflitos, somado ao acúmulo de riqueza advinda da economia algodoeira fizera com que a elite local projetasse todo um imaginário urbano, o que conseqüentemente assumiria aí novas formas de sociabilidade na vida cotidiana. Portanto os novos ares do capitalismo ibiapabano chegariam então a sacudir os ânimos dos ideólogos da prosperidade moderna que exaltavam um novo sertão cortado pelos “trilhos do progresso.”

Assim sendo, a chegada da ferrovia em Ipu facilitou a iniciativa dos homens ricos da cidade em querer copiar as novidades trazidas dos grandes centros urbanos e conseqüentemente a padronização dos hábitos e costumes culturais de inspiração francesa. O surgimento de agremiações elitistas e letradas voltadas ao espírito e desenvolvimento do comércio e das “artes” como o antigo Gabinete de Leitura (1896), a Associação Comercial (1922), O Centro Artístico Ipuense (1918), seguidos de jornais como o Correio do Norte (1918-1924) e outros evidenciam o esforço em querer mostrar uma outra cidade marcada pela “elegância” e “glamour” de seus mais nobres empreendedores capitalistas.

A alegoria e símbolos diversos da natureza como a exaltação da colossal cachoeira (Bica de Ipu) e da heroína selvagem de Alencar (Iracema) nos sonetos e crônicas sobre a cidade fará parte dessa reinvenção de um lugar paradisíaco como parte de um projeto desejado, lento e gradualmente programado por meio do discurso narrativo. O que necessariamente contribuiu para incutir a imagem do progresso na literatura urbana e suas diversas formas em querer representar a natureza dominada pelo desenvolvimento técnico e capitalista. É, portanto a partir do século XX que esta preocupação se evidencia com toda força na literatura alencarina (re) produzida pelos homens ilustres e letrados da cidade.

A ideia de progresso em Ipu que se quer mostrar no início do século XX em diante já começa a despertar para esta questão. O mito Iracema desponta como um grande catalisador simbólico em querer construir toda uma imagem harmônica, enobrecedora e feminina sobre a cidade. A natureza citadina é mostrada como um local exuberante, um paraíso verdejante, um “pedacinho do céu” como bem destaca os escritos e crônicas sobre a mesma na literatura de cunho oficial. Não há, portanto espaço para os “marginalizados,” a literatura então passa a exaltar somente os homens de destaque e seus estabelecimentos comerciais mais “chiques,” as riquezas e vaidades dos “civilizados” filhos da terra.

Ora, a trajetória deste tipo de manifestação discursiva na história local é bastante visível através de relatos orais, revistas, jornais, fotografias e outros. Portanto, as diversas práticas utilizadas de representações sobre a natureza e o espaço urbano constituem uma forma expressiva de discurso, o que necessariamente nos mostra a entender e a discutir o papel social dos homens letrados e suas formas simbólicas em querer mostrar uma cidade dita ideal e romantizada em seus escritos narrativos.

A necessidade em construir espaços de sociabilidade de exaltação ao trabalho e a natureza e sua associação com o discurso do progresso nos dão pistas bastante interessantes de como os "homens letrados" de Ipu, desde a chegada do século XX em diante, contribuíram na construção deste discurso fundador. Uma imaginária local inspirada nos moldes da civilização capitalista, no qual vibrava com a chegada do progresso e ao mesmo tempo assistia ao seu desencanto por meio dos conflitos e da presença de diversos “ sujeitos sociais indesejáveis” como os “pobres,” as “prostitutas,” os “bêbados de rua” e outros. É o que discutiremos a seguir no próximo artigo.

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