sábado, 24 de julho de 2010


RESENHA DO LIVRO: "ÁGUAS QUE ME BANHARAM"


Por Francisco Petrônio Peres Lima


Ao ler e observar com atenção o trabalho de Anastácio Pedro de Melo percebi uma grande sensibilidade poética somado ao espírito aventureiro de um pesquisador das raízes de nosso povo. Com um estilo simples, porém carregado de um traço característico da inquietude literária cearense Anastácio parece incorporar os antigos mestres trovadores da Idade Média. É possível definir o seu perfil logo nas primeiras páginas de seu livro onde a poesia popular propõe um enfoque ligado ao seu próprio espaço social de origem, a nossa bela e histórica cidade de Ipu.

O que marca o seu trabalho é que Anastácio propõe não somente uma escrita comprometida com a linguagem da poesia popular, mas traz algo de novo ligado a interessante biografia resumida de cinco sujeitos históricos que ainda povoam o imaginário social nordestino. O primeiro é o polêmico Padre Cícero Romão Batista, o pároco de Juazeiro que se tornou o maior líder da religiosidade popular nordestina, tendo sido prefeito, deputado e vice-governador do estado. Um hábil político e religioso que tinha o poder e o domínio sobre a massa pobre e rude através de sua linguagem simples e seus sermões espetaculares.Com sutileza e um olhar totalmente diferenciado do maniqueísmo histórico e literário mostra-se um autor preocupado em não rotular a imagem pejorativa do pade Cícero Romão Batista, assim como os demais apontados em seu trabalho.

O segundo trata-se de Cego Aderaldo, considerado um dos maiores poetas populares conhecido em todo o nordeste, ao lado é claro do grande mestre Patativa do Assaré. Sua importância dar-se-ia no sentido de que “o amor” era o tema principal extraído de suas poesias improvisadas, definido por Anastácio como “um dos maiores repentistas de todo os tempos”. O terceiro nos faz pensar a questão do Cangaço de forma diferente, tendo a figura de Lampião não somente como “sementeira da violência”, mas como produto de uma época silenciada pela desigualdade e suas inúmeras formas de exploração do

latifúndio.Anastácio nos faz refletir sobre aqueles homens simples e destemidos que desafiaram o poder e que realizaram uma forma de protesto social através da luta armada. Certamente não deixa de ser curioso como o símbolo maior do sertão dos últimos tempos, a figura do bandoleiro que viveu à margem da lei e que espalhou o terror e medo pelo os sertões fora ao mesmo tempo admirado e “respeitado” até por seus inimigos. Outro fator que deve ser destacado é que Anastácio não busca apenas “resgatar” a memória de um simples homem conhecido como “rei do cangaço”. Em sua escrita há um esforço em tentar reconstruir a dimensão social dos marginalizados e esquecidos pelo o poder público ao longo da história. Entretanto, percebemos uma inclinação maior pelo lado da história política, da narrativa tradicional, o que não tira o brilho de seu magnífico trabalho. O quarto personagem, refere-se ao grande empreendedor e empresário capitalista de nome Delmiro Gouveia. Um homem à frente do seu tempo cuja força e a grandeza de suas idéias fez surgir em pleno sertão nordestino à primeira Hidrelética do nordeste no estado da Bahia. Em seguida a “Companhia Agro Fabril,”inaugurada em cinco de julho de 1914, configurando-se como primeiro estabelecimento do gênero da América do Sul e que tinha como matéria prima o algodão seridó.

Interessante ressaltar os benefícios gerados através de sua tentativa de industrializar o nordeste. Anastácio especifica muito bem como a instalação da fábrica de linhas mudaria a vida do povoado de pedra no sertão de Alagoas. O conceito de progresso empregado por Delmiro Gouveia refletia o cotidiano daquele simples povoado. Portanto, através da construção de escolas, cinema e até de um cassino a realidade do pequeno povoado misturava-se ao grande salto de seu próprio desenvolvimento capitalista, o que poderíamos chamar de “bele époque” delmiriana do século XX.

Por último a figura de Antônio Vicente Mendes Maciel, apelidado de “bom Jesus Conselheiro,” um cearense natural de Quixeramobim que residiu em Ipu antes de assumir sua identidade de líder messiânico pelos o sertões da Bahia. Bem, um personagem cuja a história o fez conhecido nas brilhantes páginas do livro “Os Sertões” do jornalista e escritor Euclides da Cunha. Em seu breve resumo Anastácio demonstra uma enorme sensibilidade humana de um escritor voltado as questões sociais.

Sem dúvida, a história de Vicente Mendes Maciel fez com que o autor lançasse o seu olhar mais atento sobre o seu próprio lugar de origem que coincidentemente, assim como Antônio Conselheiro teve que enfrentar as adversidades da vida em busca da tão sonhada felicidade em terras alheias. Evidentemente a sua veia jornalística o leva a escrever de forma criteriosa e apaixonante, e como todo filho da terra de Iracema que pela primeira vez se ver diante desse magnífico talhado, com suas curvas sinuosas e sedutoras não mais esquece esse lugar. A escolha do tema de seu livro: “Águas que me banharam” é uma prova inconteste do seu estado de contemplação e poesia. Uma mistura de amor pela vida e indignação por aqueles que ainda ousam interromper a busca da paz e da felicidade humana. O que o diferencia é a forma intrépida e arrojada de buscar reconstruir a identidade social de seu próprio povo. Para Anastácio não há fronteira que separe o amor de um simples ipuense apaixonado por suas próprias raízes.


Petrônio Lima

Professor de História

petronioilima2@yahoo.com.br

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