terça-feira, 20 de julho de 2010

MONOGRAFIA DO PROF. PETRÔNIO LIMA

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ
PRÓ-REITORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS-CCH
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA E METODOLOGIA DA HISTÓRIA

FRANCISCO PETRÔNIO PERES LIMA


DISCIPLINA, REAÇÃO E ORDENAMENTO NA CIDADE “SAGRADA”:
CATOLICISMO E ANTICOMUNISMO NOS ESPAÇOS DE MEMÓRIA EM IPU-CE
(1935-1946)


SOBRAL-2008

FRANCISCO PETRÔNIO PERES LIMA

DISCIPLINA, REAÇÃO E ORDENAMENTO NA CIDADE “SAGRADA”:
CATOLICISMO E ANTICOMUNISMO NOS ESPAÇOS DE MEMÓRIA EM IPU-CE
(1935-1946)

Monografia apresentada à Universidade Estadual Vale do Acaraú como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Teoria e Metodologia da História.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Pereira dos Santos

SOBRAL-2008



FRANCISCO PETRÔNIO PERES LIMA

DISCIPLINA, REAÇÃO E ORDENAMENTO NA CIDADE “SAGRADA”:
CATOLICISMO E ANTICOMUNISMO NOS ESPAÇOS DE MEMÓRIA EM IPU-CE
(1935-1946)

Monografia apresentada à Universidade Estadual Vale do Acaraú como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Teoria e Metodologia da História


FICHA CATALOGRÁFICA

LIMA, Francisco Petrônio Peres.

Disciplina, Reação e Ordenamento na Cidade “Sagrada”. Catolicismo e anticomunismo nos espaços de memória em Ipu-Ce (1935-1946)


Orientador: Carlos Augusto Pereira dos Santos
Monografia- Pós Graduação- Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA


1. Trabalho – Memória– Anticomunismo – Ipu (CE) – 1935-1946
Dedico este trabalho a toda minha família e amigos, em especial a minha esposa Socorro Soares e minha filha Ianara Maria.
AGRADECIMENTOS


Agradeço ao professor orientador Dr. Carlos Augusto Pereira dos Santos que mesmo finalizando sua tese de doutorado mostrou-se sempre solícito e preocupado com o andamento de minha pesquisa, fornecendo material e enviando sugestões pelo seu endereço eletrônico.
Aos professores do curso de Especialização em Teoria e Metodologia da História, em especial ao coordenador Raimundo Nonato por ter disponibilizado várias vezes o acesso aos documentos encontrados no NEDHIR (Núcleo de Estudos e Documentação de História Regional).
Aos meus eternos colegas de curso pelos momentos de aprendizagem e descontração durante os intervalos de aula.
Aos meus colegas do grupo Outra História, Reginaldo, Raimundo, Vitorino, Iramar e Jorge. Minha eterna amizade.
A senhora Socorro Paz pela consideração e paciência em ter me fornecido importantes documentos.
A todos os entrevistados que contribuíram e muito para a realização deste trabalho.
A minha esposa Socorro Soares e minha filha Ianara Maria, razão pela qual me dediquei arduamente.
Aos meus pais e irmãos, pelo incentivo e força nos momentos mais difíceis.

RESUMO


Esta pesquisa procura analisar as relações discursivas da prática católica e anticomunista nos espaços de memória de Ipu entre anos de 1935 a 1946, onde a Igreja baseava-se através dos “agentes da modernidade” na idealização de uma cidade desejada e vigiada à luz da disciplina e do trabalho. Para tanto, a necessidade de construir a imagem de uma cidade ideal, longe dos “vícios modernos”, dar-se-ia no sentido da vigilância e controle de seus moradores no cotidiano da cidade. É na construção de uma memória dominante, atribuída a sagrada instituição da família que a Igreja penetra nos espaços de sociabilidade da cidade, construindo valores culturais e simbólicos, agindo como mediadora dos princípios da ordem católica no mundo do trabalho. Desde então a presença do Círculo Operário e de outras entidades católicas mostra-se como fator de agregação aos valores atribuído à imagem de uma sociedade dita “moderna” e anticomunista.


ABSTRACT


This research attempts to analyze the relations of discursive practice and anti-Catholic in memory spaces Ipu between years 1935 to 1946, where the Church was based through the "agents of modernity" in the idealization of a desired city and watched the light of the discipline and work. Therefore, the need to build the image of an ideal city, away from the "modern vices," to would be the sense of surveillance and control of its neighbors in the life of the city. It is within the memory of a dominant, given the sacred institution of the family that the Church enters the social areas of the city, building cultural and symbolic values, acting as a mediator of the principles of the Catholic in the world of work. Since then the presence of the Workers' Circle and other Catholic entities shown as aggregation factor values assigned to the image of a company called "modern"andanti-communist.



SUMÁRIO


INTRODUÇÂO..............................................................................................................................11

Capítulo I- A Cidade e o discurso anticomunista no pós-30

1.1.A Pesquisa e seu contexto histórico.........................................................................................17

1.2.O Ipu dos anos 30.....................................................................................................................20

1.3. A Igreja e seus “agentes comerciais” católicos.......................................................................25

1.4. As Conferências Vicentinas.....................................................................................................30

1.5. Clube Artísta Ipuense: uma sociedade de artistas e operários.................................................34

Capítulo II- A Atuação dos Círculos Operários nos espaços do Trabalho

2.1 Os Círculos Operários no Ceará...............................................................................................43

2.2 Padre Cauby e a formação do Círculo Operário de Ipu............................................................47

Capítulo III – A Ferrovia e o Comunismo sob o olhar vigilante da Igreja

3.1 Nos trilhos da resistência..........................................................................................................61

3.2 O “inimigo vermelho” ronda a cidade: Memórias de um comunista chamado Madureira........................................................................................................................................66

3.3 A Cruzada Eucarística: Em guarda contra o “Credo Vermelho”.............................................79

3,4 Fé, Eleição e Disciplina...........................................................................................................89

Considerações Finais....................................................................................................................92

Fontes.............................................................................................................................................95

Bibliografia..................................................................................................................................100




LISTA DE TABELA





1. Censo Demográfico da cidade de Ipu. Ano de 1940..................................................................24




LISTA DE FIGURAS

2. Estação Ferroviária de Ipu. Missa celebrada no ano de 1944.....................................................62

3. Igreja Matriz de Ipu. Primeira missa de inauguração da Nova Matriz.......................................78

4. Imagem de um livreto Católico do ano de 1939.........................................................................81

5. Imagem de uma escultura católica..............................................................................................82

6. Colete infantil pertencente ao movimento da Cruzada Eucarística............................................84

7. Distintivo católico da Cruzada Eucarística.................................................................................86

8. Monsenhor Gonçalo Lima ao lado dos Cruzados da Eucaristia.................................................88


INTRODUÇÃO


O espírito de fé e a instauração religiosa da nossa gente não tem sido propícios as investidas dos inimigos da Igreja e, até agora estivemos immunes desse vírus, que pouco a pouco envenena toda a vida individual e colletiva.1


Recorremos a esta citação acima, a fim de propor aos leitores uma pequena análise sobre o discurso católico e suas manifestações anticomunistas nos espaços de memória da cidade de Ipu entre anos de 1935 a 1946. Com base nas discussões teóricas de Pierre Bordieu sobre o conceito de “poder” e suas representações simbólicas na cidade, procuramos apresentar o Ipu como sacralização de um espaço “sagrado”, analisando o projeto de (re)aproximação da Igreja no mundo do trabalho durante o pós-30, como reação das idéias advindas do sindicalismo “vermelho” no chamado mundo moderno.
Com a criação de algumas associações católicas e mutualistas na cidade, como o Círculo Operário(1932), Clube Artista Ipuense (1935) Cine Teatro Moderno (1946), e outros podemos afirmar que durante os anos de 1930 em diante o novo conceito de trabalho é assimilado pelos representantes da Igreja e do comércio a partir da ótica de uma ideologia citadina e sua política de normatização social.
Assim, entendemos a cidade “sagrada” dentro de um projeto de disciplina, reação e ordenamento dos sujeitos sociais, como parte do discurso vigilante da Igreja sobre o seu rebanho. Desse modo, o “trabalho” passa a ser vinculado como símbolo mediador do progresso na cidade através dos “lugares de memória”, construídos para referenciar o desejo de uma elite católica que se queria nobre e moderna.
Com esse objetivo, a obrigatoriedade do labor e seu conceito cristão sobre o trabalho assinala a própria visão do “ser operário” com as aspirações de uma “elite” que pensava a cidade como um enorme “campo de concentração fabril”, onde os conflitos passam a ser silenciados pela ação pedagógica da Igreja nos espaços de memória da cidade. Nesse ambiente, os aspectos do discurso católico e anticomunista é percebido por nós como fator de difusão do tradicionalíssimo ultramontano e conservador. O que de fato traduz um esforço da Igreja na regeneração dos costumes sociais através do culto religioso do trabalho, o que para Alcir Lenharo corresponde a um processo de dominação política e simbólica da imagem de Cristo no mundo religioso.

A positividade do ato de trabalhar mantém-se uma constante; ela se apoia no argumento da dimensão humanizante e regeneradora do trabalho nas imagens do Cristo Operário e seus apóstolos2.

Ao analisar a elaboração das práticas e resistências vivenciada na cidade, nos deparamos com os diferentes olhares e concepções entre os sujeitos sociais marginalizados, o que comprova as lutas e formas simbólicas de poder através dos mecanismos de controle e domínio da Igreja no combate às várias manifestações tidas como incrédulas e subversivas.
Os documentos encontrados na paróquia de Ipu, revelam que a “ameaça vermelha”, nos meados dos de 1930/40 não consistia como único inimigo a ser combatido.Com isso, o controle e vigilância sobre a vida “individual e coletiva” não se limitava apenas em apontar o sujeito comunista como única ameaça aos dogmas da Igreja. É o que notamos na linguagem discursiva da citação inicial acima.
Dessa forma, a ordem social católica e seu caráter cooperativo no “mundo do trabalho” estendia seu discurso à tradição demonológica das seis seitas condenadas pela Igreja durante o pós-30. Em 1936 é lançado no Brasil a obra de Júlio Maria sobre O anjo das Trevas3, em que qualificava o “comunismo”, ao lado do protestantismo, liberalismo, espiritismo, maçonaria e o sexualismo como sendo os seis anjos das trevas no mundo moderno: Sex sunt quae odit Dominus, ou seja, seis são as coisas que o senhor abomina.
Ao que parece, a orientação do clero católico cearense se utilizara desses conceitos do padre Júlio Maria diante de um projeto de recatolização da sociedade brasileira. É a partir da tentativa de conter os “erros modernos”, mais precisamente a ameaça do sindicalismo vermelho, impulsionado pelo primeiro Congresso do Bloco Operário e Camponês (BOC), realizado em 1930 no Ceará, que a militância católica através dos Círculos Operários Católicos redirecionam o seu olhar para as cidades interioranas da região norte da Ibiapaba, no intuito de moralizar os costumes e disciplinar os sujeitos sociais a uma vida harmônica e sem conflitos.
Convém ressaltar o período compreendido entre 1935 a 1946 em que a cidade continua em uma substancial estruturação do embelezamento do espaço urbano, o que contribui para edificação de uma memória atribuída a construção social de uma imagem sagrada na ordem urbana.
Localizada na Mesorregião do Noroeste do Estado do Ceará, a cidade de Ipu estende sobre a Serra da Ibiapaba e parte ao longo do riacho Ipuçaba, no sopé da serra, prolongando-se pelo sertão. Está situado em posição de destaque como elo de ligação entre o Sertão Central e a Serra da Ibiapaba, possuindo 75% de seu território na região dos polígono das secas e os demais 25% na região da serra onde a altitude privilegiada, a vegetação adensada e o clima ameno caracterizam um ambiente de serra úmida.4Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população alcançou em 2006 os 40.281 habitantes, tendo como principal atividade econômica o comércio, acompanhado da produção de hortifrutigranjeiro, cultivada em hortas na porção serrana do município5.
Inicialmente a escolha do tema desta pesquisa surgiu através de algumas questões levantadas com os alunos do Ensino Médio da Escola Monsenhor Gonçalo Lima no início do ano de 2007 sobre a influência do poder do latifúndio e da Igreja no processo de formação de uma cultura local voltada ao “pouco interesse” de participação política e reivindicatória da “pessoas comuns” nos espaços do trabalho. Pouco depois de me matricular no curso de Especialização em Teoria e Metodologia da História me veio a idéia de pesquisar como se deu esse processo na prática discursiva da Igreja e como se desenvolveram manifestações de resistência a esse projeto de sociedade. Busquei, então, nas leituras de Antonio Paulo Rezende sobre a cidade e seus (des)encantos modernos6 compreender as contradições de uma sociedade idealizada na própria imagem de um lugar “moderno” e “sagrado” já comentado anteriormente.
No que se refere as relações discursivas da memória anticomunista Bethania Mariane ajudou-me a compreender melhor as interpretações silenciadas do discurso jornalístico7, tendo em vista o sentido empregado na imagem negativa do sujeito comunista e suas narrativas construídas durante o levante comunista de 1935, período que coincide com o recorte inicial de nossa pesquisa.
Diante de várias leituras sobre o tema e dos “indícios” encontrados sobre a atuação anticomunista na cidade comecei a me debruçar sobre as divisões do capítulo. Árdua tarefa que me fez uma espécie de “cirurgião” na frente do computador, pois muitas vezes não conseguia ficar por satisfeito e acabava trocando e criando novos subítens, não sabendo exatamente onde colocar as fontes selecionadas. Entretanto, apesar das noites em claro sentia uma atração maior pela pesquisa até por chegar a uma organização definitiva.
No primeiro capítulo “A Cidade e o Discurso Anticomunista no Pós-30” apresentamos uma breve discussão da pesquisa e o seu contexto histórico, procurando analisar os reflexos dos acontecimentos ocorridos em 1935 no Brasil e no Ceará, conhecido como “Intentona Comunista”. Assim, procuramos identificar “o Ipu dos anos 30” dentro de uma nova conjuntura política local na representação de um discurso “modernizador” do espaço urbano, aliado a idéia de uma classe comercial católica e dirigente que pensava a cidade através da influência dos hábitos e costumes dos grandes centros urbanos. Nesse sentido a tentativa de acompanhar os “tempos modernos” chocava-se com uma sociedade tipicamente agrária e com a expansão das idéias comunistas no mundo do trabalho.
No segundo capítulo discutiremos a efetiva atuação dos “Círculos Operários no Ceará,”tendo como referência historiográfica o trabalho de Jovelina Santos sobre a disciplina e moralização dos Círculos Operários na Região Norte do Estado, acompanhado de alguns trabalhos monográficos relacionados ao assunto, no qual deixaremos para citá-los no decorrer de nosso trabalho. Em seguida destacamos a criação do “Círculo Operário de Ipu,” tendo a presença do líder circulista e Assistente Eclesiástico “Padre Cauby” na formação e disciplina do “operariado” ipuense, enriquecida com algumas fontes encontradas na casa da Sra. Socorro Paz e no periódico católico “Correio da Semana” de Sobral.
Neste mesmo capítulo abordaremos algumas discussões pertinente a militância anticomunista do Círculo Operário de Ipueiras e da cidade de Sobral, no intuito de compreender melhor a articulação da Igreja Ibiapabana e do Bispado de Sobral na preservação da disciplina e ordenamento do trabalhador do campo e da cidade.
Já no terceiro e último capítulo, “A Ferrovia e o Comunismo sob o olhar Vigilante da Igreja,” daremos importância a presença da Ferrovia como um lugar de atuação das idéias comunistas ligadas a influência do Partido Comunista (PC) de Camocim e suas formas de resistência no espaço de memória dos sujeitos sociais da Estrada de Ferro na região norte. Para tanto, procuramos desmistificar a idéia do “progresso” e de uma “cidade sagrada” e suas representações simbólicas, rememorando as práticas e experiências cotidianas de alguns supostos comunistas na cidade por meio da utilização das fontes orais.
A partir de então, a necessidade de buscar na oralidade um entendimento maior, no sentido de desvendar novos significados e formular novas interpretações fizeram-me aproximar dos textos de Alessandro Portelli sobre as práticas das entrevistas orais e a “lição de aprendizagem” adquirido nesse tipo de categoria de fonte.
Dando continuidade, no item 3.2 “O Inimigo Vermelho ronda a cidade: memórias de um Comunista chamado Madureira” buscamos reconstituir as significações diversas da memória social sobre as experiências e os discursos do “sujeito comunista” no espaço da cidade. Novamente a oralidade fora imprescindível no sentido de situar os sujeitos sociais que vivenciaram o conflito ocorrido em Ipu durante o ano de 1946.
De acordo com nossos estudos o período de redemocratização da era Vargas, é apontado na historiografia contemporânea como fator de preocupação da Igreja em relação a militância comunista no interior da zona norte do estado cearense. O ano de 1946 evidencia um dos períodos mais conturbados no embate entre a Igreja e os comunistas no mundo do trabalho, por envolver o início do processo político que culminará nas eleições de 1947, o que resultara na expulsão do líder comunista Hugo Madureira (1946).
No que se refere ao item 3.3 “A Cruzada Eucarística: Em guarda contra o Credo Vermelho,” finalizaremos com uma pequena discussão sobre a “Cruzada Infantil” como suporte do pensamento político-pedagógico da Igreja de Ipu no combate aos “desvios da fé” e suas manifestações rituais e simbólicas de poder em um espaço que se propõe sagrado.
Para melhor entendimento do leitor utilizaremos algumas imagens no corpo do trabalho não somente como algo ilustrativo mas como um suporte a mais de análise. Tais procedimentos nos ajudará a identificar estas imagens como “vestígios” da militância anticomunista na cidade.



CAPÍTULO I


A CIDADE E O DISCURSO ANTICOMUNISTA NO PÓS-30


“A cidade é feita de sonhos e desejos. Sonhos e desejos que, um dia, se tornarão recordações, se incorporarão aos inúmeros labirintos da memória, revelarão as faces escuras do passado ou deixarão que elas permaneçam desconhecidas para sempre.”

(Paulo Rezende)



1.1 A PESQUISA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO


Nos meados dos anos 30 o discurso anunciador do “perigo comunista” se forma diante de uma memória atribuída à uma nova construção da identidade nacional brasileira, a qual o Estado varguista assume a função estratégica no controle dos sindicatos e seus trabalhadores. Essa pretensão, portanto atuava conforme os princípios baseados na ordem moral políco-religiosa no pós-30, herdada nos hábitos e costumes tradicionais de uma cultura secular e dominante. O que para a elite dirigente daquele período tinha como novos rituais enunciativos a imposição de uma memória institucional e fundadora da desmoralização do “inimigo do Estado e da família” no mundo do trabalho.
Conforme Bethania Mariane os anos 30 é o período que predomina as definições ou explicações sobre o que é o comunismo,8 onde a imprensa jornalística passa a ser utilizada como “discurso fundador” da imagem reconstruída dos acontecimentos narrativos da chamada Intentona Comunista de 1935.
Como sabemos o ano de 1935 no Brasil marca um momento de intensa perseguição aos comunistas, o que para história oficial ficou conhecida como “Intentona Comunista”, ou uma tentativa de tomada do poder por parte dos acontecimentos ocorridos em Recife e Rio de Janeiro. Nesse mesmo espaço de tempo já havia sido criado uma frente ampla que reunia grupos de várias tendências como anarquistas, socialistas e comunistas, com o nome de Aliança Nacional Libertadora (ANL), que tinha como presidente de honra eleito em abril de 1935, o ex-militar e comunista Luis Carlos Prestes, figura lendária da coluna tenentista dos anos posteriores a 1920.
Tal aliança leva a crer que não era propriamente uma frente de esquerda, mas uma estratégia de reunir forças no combate às atividades das idéias fascistas e conservadoras da Ação Integralista Brasileira (AIB), que nutria grande simpatia por parte do clero católico em defesa da propriedade e de um estado forte e centralizador.
Como já nos referimos, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), não compunha em sua linha de combate uma frente de oposição puramente comunista, mas uma reação as idéias conservadoras e totalitárias da aliança integralista brasileiro (AIB), fundado em 1932 pelo católico Plínio Salgado.
Com o fechamento da Aliança Nacional Libertadora, impulsionada pela Lei de Segurança Nacional do Governo Vargas, seguida da prisão de muito dos comunistas em todo o país começaria então a surgir com mais intensidade a imagem do comunismo como “inimigo da pátria e da família” cristã. No Ceará, a presença de comunistas nos espaços do trabalho sofreria os efeitos dessa sistemática repressão contra o suposto perigo vermelho. Mais precisamente na cidade de Camocim, onde o nível de organização dos trabalhadores do Porto e da Ferrovia associava-se a influência da militância comunista na cidade, o que resultou no terrível Massacre do Salgadinho ocorrido em junho de 1936.
No entanto, a criação dos Círculos Operários no interior da zona norte do Estado nos mostra como a Igreja sentia a necessidade de atrair a classe trabalhadora e evitar a infiltração de comunistas no meio rural. O novo modelo de sociedade, proposto pelo circulismo e outras entidades católicas coincidia com as práticas defendidas pelos grandes proprietários rurais e ricos comerciantes, ou seja, a questão social nos espaços do trabalho do homem no campo e na cidade era tratado como fator de intensa disciplina e vigilância.
Dessa forma a matiz ideológica construída simbolicamente pela ação do Estado e a Igreja durante esse período nos parece bastante alusivo para que possamos compreender a atuação dos mecanismo de controle e poder sobre os “lugares de memória” na cidade de Ipu. Lembrando que o recorte de nossa pesquisa (1935-1946) caracteriza um dos momentos históricos em que a cidade passava por um intenso processo de reordenação do espaço urbano, onde o discurso da “cidade ideal”, “sagrada” e progressista, defendida pelos “agentes comerciais católicos” contrastava com a realidade de uma pequena cidade interiorana marcada por uma forte cultura camponesa, tendo que conviver com a existência das “secas” e a presença de alguns “atores sociais indesejáveis.”
A trajetória de nossa pesquisa revelou detalhes de uma cidade real, desconhecida e silenciada. Muito embora as fontes trabalhadas não sejam ainda suficientes para que possamos compreender com maior profundidade a dinâmica das relações simbólicas e discursivas sobre o “trabalho” e a idéia de uma sociedade harmônica, construída e representada pela Igreja através das relações exercidas no cotidiano da cidade. Por outro lado o esforço em apontar os caminhos necessários a serem percorridos adiante nos faz refletir o quanto é gratificante desvendar a cada detalhe, a cada vestígio os sinais lutas, experiências e conflitos existentes.
Assim, percebemos a cidade através do mito político do “comunismo ateu” como um discurso do poder simbólico por intermédio de uma luta exercida na construção de uma realidade, enquanto visão de um determinado grupo social que exerce seu poder e é reconhecido como tal. Como bem afirma Bourdieu, um poder exercido pela cumplicidade daqueles que não querem saber que lhes estão sujeito.9
Porém, é preciso que tenhamos bastante cuidado para não cairmos nas armadilhas da intolerância em analisar a Igreja e seus representantes maiores como únicas formas de poder, como se o sujeito comunista não fosse também produtor de um discurso de poder, certamente em proporções muito diferenciadas é claro.
O que nos importa é perceber a função política do poder discursivo na construção da realidade social e como esta realidade construída exerce um efeito nos indivíduos ou sujeitos sociais em determinado tempo e espaço.
As pesquisas recentes sobre a cidade de Ipu, em se tratando de temas relacionado com a idéia de modernidade nos dão pistas de como a construção discursiva e fundadora de um espaço sagrado compreendiam as diversas práticas ou condutas sociais nos “lugares de memória”. No trabalho de Reginaldo Alves sobre a cidade e o discurso Modernizador10 (1944-1963) a modernidade dos anos 30 é analisada como aspecto de uma realidade desejada pela cultura de um grupo social dominante e seu estilo de vida metropolitano à moda francesa, tendo uma fase diferenciada a partir do início dos anos de 1940.
A modernidade técnica, intensamente incentivada pela produção fabril nos grandes centros urbanos passa a ser representado no início dos anos de 1940 como uma nova fase de atuação da Igreja no meio “operário”. É neste mesmo ano que ocorre o primeiro congresso circulista no Ceará e onde inicia-se um novo período político de ordenação do espaço urbano na cidade de Ipu já comentado anteriormente, ocasião em que é comemorado o primeiro centenário de emancipação política do município.
De 1935 a 1946 a política local desenrola-se com a continuidade do discurso da cidade dita moderna, algo que já vinha sendo enfatizado no governo municipal de Joaquim Lima (1930-1935), passando pela administração do prefeito Luiz Gonzaga Silveira e de Francisco das Chagas Pinto Silveira (1935-1945)o que abordaremos com maiores detalhes a seguir.



1.2 O IPU DOS ANOS 30



É preciso que o RR. Parochos estejam na vanguarda da ação social cathólica, nas suas freguesias, pois já passou o tempo, em que a actividade sacerdotal se circuscrevia ao simples ministério. É necessário mostrar que o Clero não é inútil no seio das populações... 11


É necessário, porém, entender como a “atividade sacerdotal” no pós-30 assumirá relações de afinidade com o Estado Getulista e sua defesa intransigente do ideal tridentino nas questões sociais. Como veremos no decorrer de nosso trabalho o clero realmente não se mostrava “inútil”, pois a base de sua atuação no interior da zona norte do Estado, mais precisamente na cidade de Ipu evidencia um projeto político-doutrinário de afirmação do espaço “sagrado” do trabalho através da influência dos “agentes da modernidade” no sindicalismo católico, como é caso da presença do Círculo Operário na tentativa de formar o trabalhador ideal, cristão e anticomunista. Porém, a cidade “sagrada”, deslumbrava-se e ao mesmo tempo assistia com perplexidade um novo governo municipal que se autodenominava moderno e defensor das instituições democráticas.
Assim, nos anos que antecede a formação do Círculo Operário Católico(1930-1932), Ipu contava com uma administração municipal preocupada em construir uma nova imagem que superasse a idéia do “atraso político” e administrativo do poder anterior.A “velha ordem”, representada pelos Martins, mais precisamente na figura do senhor Manuel Victor de Mesquita, “testa de ferro” da família e, podemos dizer assim, “último representante” da linhagem coronelista ipuense durante a República Velha, revelava-se indignado e insatisfeito com a tomada de poder por parte do comerciante Joaquim de Oliveira Lima. Este último, nomeado pela política de interventoria do Governo Vargas, pertencia ao Partido Social Democrático (PSD), apelidado na época de “partido do diabo”, cuja linha política identificava-se com o discurso modernizador12 do estado tenentista.Assim como os demais membros pertencente à classe social conservadora e católica dos anos 30 em Ipu, Joaquim Lima também integrava o corpo místico da Conferência Vicentina São Gonçalo, tendo sido destacado como membro da Associação Comercial, fundada em 1922.O que nos leva a acreditar através de nossas fontes que essa mesma “entidade comercial” tenha agido como mediadora das Associações Pias no controle assistencialista da classe trabalhadora, como veremos mais adiante sobre as associações de comerciantes e sua forte influência no meio católico.
Com a criação da Liga Eleitoral Católica (LEC) em 1932 pelo cardeal dom Sebastião Leme,bispo do Rio de Janeiro, as elites interioranas pertencente a “velha ordem” sentem a necessidade de se aproximar do aparato eclesiástico da Igreja, cujo objetivo seria derrotar a influência do então Partido Social Democrático (PSD) e retomar o poder político local.O que nos parece contraditório, no sentido de que a Igreja enquadrava-se com as aspirações moralizantes e autoritárias do governo getulista, ao mesmo tempo em que impedia o avanço de uma agremiação partidária, no qual pregava o mesmo centralismo político e o discurso modernizador.
Muita embora houvesse divergência por parte das “oligarquias decaídas” em relação ao novo governo, tanto o PSD como principalmente a já citada Liga Eleitoral Católica (LEC), (antes de serem apontados na cena política e ideológica dos anos de 1930), ambos nutriam forte simpatia com a Igreja e com a “mensagem social do governo provisório” de Fernandes Távora (1930-1931) no combate ao comunismo.
A passeata da fome que seria realizada pelo PCB do Ceará no dia 19 de janeiro de 1931 fora impedida pelos órgãos repressivos do governo interventor do Estado, considerado pelo relatório publicado no jornal O POVO de 28 de janeiro do mesmo ano como “primeiro movimento de agitação comunista no Ceará”13:

O que a interventoria queria impedir era a participação política dos trabalhadores na vida pública por meio de suas organizações-partidos, sindicatos, imprensa operária -, para isso contava com o apoio da Igreja Católica, por intermédio do jornal O Nordeste, dos Círculos Operários Católicos e dos intelectuais pertencentes à União dos Moços Católicos que realizavam programação cultural “anticomunista”, com conferências e debates nos sindicatos e associações beneficentes, afim de evitar a divulgação de idéias comunistas nos meios operários.14


Certamente o apoio da Igreja católica representava um peso diante do papel conciliador entre o Estado e as interventorias locais. Basta que se diga que em Ipu Joaquim Lima era irmão do Pároco Monsenhor Gonçalo de Oliveira Lima, o que consolida uma certa aproximação do aparelho eclesiástico na estrutura do poder local.
Acreditamos que a própria presença de Monsenhor Gonçalo veio então fortalecer a imagem do irmão no poder, apesar do mesmo manter uma posição de “neutralidade”. Podemos assim afirmar que o Monsenhor Gonçalo Lima agia no papel de mediador entre a “velha ordem” e o novo governo que se propunha “revolucionário”. O seu próprio apelido na época, “A flor do Clero”, deixa claro o poder de prestígio e liderança na vigilância e controle de seu rebanho.
Como acabamos de discutir acima o PSD de Ipu misturava-se entre o discurso da velha oligarquia coronelista e o discurso “modernizador” do governo municipal de Joaquim Lima. Em outras palavras, entre o PSD estavam aglutinadas as mesmas entidades oligarcas onde a disputa política representava nada mais do que “uma projeção das lutas familiares” em conflito. Não é por acaso que entre as diversas acusações feitas pelos inimigos políticos de Joaquim Lima, estava a de “traição” do próprio partido PSD, em que o mesmo descreve em seu próprio livreto Administração de Ipu no regime revolucionário publicado no ano de 1935, período final de seu governo.

Convencidos de que na administração nada conseguiram, apelaram para o ponto de vista político, atribuindo-me infidelidade ao Partido Social Democrático, a que me filiara, e no qual se agregaram, à hora, os meus impenitentes inimigos...15


Nota-se, no entanto uma aproximação dúbia da Igreja com as aspirações moralizadoras dos tenentes durante este período, o que de fato significou subseqüentes desdobramentos entre o PSD e a L.E.C no ano de 1933 no Ceará. Nesse caso, analisamos o processo de mudança política pelo qual estava passando o Ipu durante o chamado regime revolucionário, como parte desse projeto “moralizador”.
A cidade ganharia nesta fase política uma nova estética de embelezamento e higienização, somado a grande influência do discurso anticomunista por parte do clero católico em toda região norte do Estado, o que discutiremos mais adiante.
Entre esse novo projeto de cidade, idealizada pelo poder “político-religioso” local destaca-se a chegada da energia elétrica (1931) como símbolo da “luz divina” que segundo Joaquim Lima viria clarear os novos horizontes do progresso e afastar o “veneno maléfico” da escuridão.No livro de tombo da Igreja Matriz de Ipu Monsenhor Gonçalo de O. Lima destaca o ato da inauguração da energia elétrica diante do olhar contemplativo e silencioso dos fiéis católicos ali presentes.

A 20 deste mez, dia da inauguração da iluminação elétrica desta cidade, cantei uma missa , às 7 horas, na nova Matriz, ainda em construção. Era de ver-se a massa compacta, silenciosa, respeitosa, que ouvia pela vez primeira a santa missa na majestoso templo que é bem um attestado da fé e religiosidade de um povo.16


Assim, a idéia de modernidade incorporava-se ao discurso religioso da época. O discurso técnico e desenvolvimentista cearense dos anos de 1930/40 em diante passava pela tentativa em produzir as mesmas pretensões do Estado dentro da própria imagem da cidade.Portanto, o ato de inauguração da energia elétrica em Ipu representava o esforço de uma “elite” em acompanhar esse desenvolvimento capitalista. Em contrapartida, os valores produzidos através do modelo urbanístico das grandes cidades iriam representar para uma pequena parcela das pessoas que se deslocavam da zona rural para zona urbana algo de contraditório e constrangedor. Esse “desencantamento da modernidade” já vinha despertando na Igreja e grandes proprietários de terra a preocupação e angústia em viver sobre a ameaça de perder o controle da classe trabalhadora.
Vejamos então o censo demográfico de 1940 onde a população urbana constituía o total de 4.874 habitantes enquanto a população rural engrossava o total de 14.396, o que nos mostra uma sociedade tipicamente agrária voltada às atividades da pecuária e agricultura. Quanto ao total de católicos e não católicos, somados ao número de pessoas que não sabiam ler e escrever o resultado censitário constata uma realidade bastante propícia ao controle discursivo da disciplina moral e religiosa no mundo do trabalho.

CENSO DEMOGRÁFICO E RELIGIOSO DE IPU17
______________________________________________________________________________
RELIGIÃO INSTRUÇÃO
Católicos romanos.........................29.925 Sabem ler e escrever................. 5.616
De outra religiões............................40 Não sabem ler nem escrever.....18. 405
Sem religião.....................................41 De instrução não declarada........19
De religião não declarada.................8
______________________________________________________________________________
FONTE: IBGE – Principais resultados censitários do ano de 1940. ( grifos nossos)

Desde os anos de 1920 a ordem e a disciplina no espaço da cidade dependia de um plano urbanístico, de avenidas largas, ajardinadas e elegantes como o Jardim Iracema, inaugurado em 1927. Para nós, essa fase traz uma memória instituída na cidade como um discurso pré-estabelecido do espaço “sagrado”, exercido através da memória do mito fundador “Iracema” no espaço urbano18.Um lugar onde o poder simbólico era representado na idealização de uma “cidade sem pecado”, que confundia-se com a própria imagem bíblica do “paraíso perdido”, onde o sujeito urbano passava a ser vigiado pela Igreja através de suas ações no cotidiano.
A necessidade de manter a ordem e a disciplina no espaço sobre os diversos “atores sociais indesejáveis” passava por essa nova etapa de controle e vigilância sobre os indivíduos durante os anos de 1930/40. Daí o papel da Igreja como agente disciplinador na “ordem moral” e urbana da cidade.
Devemos entender que o momento histórico vivenciado em Ipu durante o pós-30, no que diz respeito a presença do anticomunismo católico como instrumento de luta, não pode ser considerado como uma representação de poder unicamente local. Mesmo assim, a importância dada ao local não tira o foco de nossa análise em tentar entender as práticas sociais da Igreja aos diversos grupos políticos existentes da região durante o período de nosso recorte, o que seria algo exaustivo se fôssemos analisar cada município.
A nossa preocupação é interpretar as representações de uma sociedade conservadora e anticomunista em Ipu, onde os “agentes do progresso” irão construir sua própria realidade através de seus interesses políticos, religiosos, econômicos e culturais.Algo que não está dissociado do papel da Igreja e sua influência no projeto de (re) cristianização do “operariado” não só local, mas também em outras cidades próximas a Ipu.


1.3. A IGREJA E SEUS “AGENTES COMERCIAIS” CATÓLICOS

Antes, porém, propomos aqui algumas considerações referentes aos anos anteriores de nosso recorte temporal, numa tentativa de melhor compreender os aspectos formadores das manifestações de entidades representativas de classe e suas visões conservadoras e filantrópicas nos espaços de memória da cidade.
A década de vinte marca em Ipu um período decisivo no pensamento da “elite” comercial católica em torno da representação de uma cidade “cristã e moderna”, baseado nas transformações de ordem social e econômica da cidade. É através da criação de associações de comerciantes e produtores agrícolas que muito de seus comerciantes começaram a se projetar como figuras expoentes na vida política e social, e porque não dizer religiosa. Em 1921 é fundada a Casa Bancária S/A. Em seguida a Associação Comercial, fundada a sete de setembro de 1922 e mais adiante o Banco Rural de Ipu, em 15 de janeiro de 1929.
Dentre essas associações destacamos aqui a Associação Comercial e o Banco Rural de Ipu por se tratarem de entidades que aglutinavam em sua maioria figuras de destaque no ramo do comércio e, conseqüentemente estavam ligadas ao corpo místico da Igreja. Joaquim Lima, por exemplo, além de compor o quadro de sócios da diretoria da Associação Comercial, era também integrante das Conferências Vicentinas, sendo que o próprio pároco Monsenhor Gonçalo Lima, ao lado de figuras como Leocádio Ximenes de Aragão e Manuel Dias Filho compunha o quadro da primeira diretoria do conselho fiscal do Banco Rural de Ipu.
No que diz respeito ao “instituto de crédito” promovido a seus acionistas pela Casa Bancária de Ipu S/A,19 esse órgão representativo da “elite” local costumava ser citado constantemente no periódico católico “Correio da Semana”. Em nossas pesquisas realizada no NEDHIR ( Núcleo de Estudos e Documentação de História Regional ) de Sobral encontramos várias citações referente a essa entidade bancária estampada nas páginas do referido jornal entre os anos de 1930 e 1940.
Pois bem, se levarmos em consideração a influência desses homens de negócios nos espaços de memória da cidade, onde o pároco atua como figura de destaque, veremos então a influência maior na hierarquia da Igreja da zona norte do estado, tendo o bispo de Sobral D. José Tupinambá da Frota atuando na composição da Casa Bancária daquela cidade.
Em se tratando da Revista dos Municípios, primeiro número publicado no ano de 1929, encontramos registrado em suas páginas uma pequena homenagem ao ato de inauguração do Banco Rural de Ipu.

No dia 15 de janeiro, próximo findo foi inaugurada em prédio próprio, o Banco Rural de Ipu, futuroso estabelecimento de crédito de grande utilidade para o município.São incontestáveis os benefícios que em prol da colletividade trará tão útil associação bancária, prova frisante de que o município do Ipú, a lendária pátria de Iracema, vae de vento em popa na senda do progresso. [...] O povo do Ipú deve estar regojizando com tamanho emprehendimento. A revista dos Municípios, parabeniza-o.20


Diante dessa citação, percebemos a idéia do progresso que se quer construir para a cidade através desse órgão de divulgação escrita.É importante ressaltar aqui o silêncio contido aos trabalhadores e “operários”, dando a impressão de que não há lugar para conflitos e contradições, pois há um esforço em criar uma representação harmônica da cidade através do empreendimento de seus mais conhecidos “filhos ilustres”. No entanto, cria-se um sentido neutro de “coletividade” onde o “povo” é chamado apenas para referenciar as benesses advindas do comércio de seus ricos empreendedores.Por tanto não há interesse dos ricos comerciantes em mostrar um outro Ipu, onde o operário real seja o centro do processo histórico.
Ora, o progresso para as “elites” da época, em especial a elite dirigente do pós-30, estava necessariamente ligado a um novo conceito sobre o trabalho.Então, o que era ser operário para as elites nessa época? O que a “melhor sociedade” entendia por ser um operário? Qual o sentido dessa palavra no discurso e na prática da Igreja no final dos anos de 1920 passando pela segunda metade dos 30? Por que as elites construíram para si lugares de “cultura” e entretenimento no sentido de exaltar a déia do “operário” ligado as artes como no caso da fundação do Club Artista Ipuense no ano de 1935?
Voltando a questão, a figura do pároco Monsenhor Gonçalo Lima como componente da primeira diretoria do Banco Rural revela por parte da Igreja uma preocupação estratégica em assumir o controle e a disciplina não só de seus associados, mas principalmente na atuação cotidiana dos “operariado” real e do campesinato ipuense.
Em outra citação da revista a -Associação Comercial - também é lembrada como marco do progresso local e nos revelam novamente os seus mais destacados agentes empreendedores.

Com o fim de commemorar o 1 centenário de nossa independência política, o sr. José Oswaldo de Araújo, actual presidente, da ASSOCIAÇÃO, levantou no seio das classes conservadoras a idéia da fundação, no dia 7 de setembro de 1922, da ASSOCIAÇÃO COMMERCIAL DE IPÚ, que seria o órgão representativo e de defesa dos interesses e o porta voz junto aos poderes públicos das necessidades do commercio e da lavoura deste município, pugnando igualmente por tudo que se prendesse ao seu progresso e engrandecimento...21


A sessão de sua fundação se realizou às 12 horas daquelle memorável dia,no Paço Municipal, com a presença de 20 expoentes das diversas actividades commerciais, agrícolas e pastoris do município. Foi proclamado presidente dessa sessão o Dr. Ubaldino Maciel Souto Maior, Juiz de Direito da Comarca, que convidou para seus secretários os srs.José Oswaldo de Araújo e Abdoral Timbó.22


A presença de setores do comando agrícolas e pastoris no ato de inaugural da Associação Comercial de Ipu nos deixa pistas de sua influência na vida cotidiana dos trabalhadores da zona urbana e rural da cidade.As pessoas citadas eram em sua totalidade os homens de negócio da cidade. Figuras tradicionais e conservadoras com uma ligação muita próxima ao aparato eclesiástico da Igreja e suas entidades católicas. José Oswaldo de Araújo pertencia a firma de J. Lourenço & Cia e também integrava a mesa presidencial da Conferência Vicentina de São Gonçalo, ao lado do já citado Joaquim de Oliveira Lima que atuava como secretário e ainda gerenciava a firma Lima & Cia.
Como podemos perceber os “agentes do progresso” usufruíam do poder místico da Igreja. Era comum que isto acontecesse, pois a religião tinha um papel essencial no combate aos “desvios da fé”, em especial as idéias que circulavam contra o poder do latifúndio, vindas, portanto de cidades como Camocim, onde os sindicatos e comunistas tinham forte presença entre os operários e camponeses nos espaços do trabalho23.Ora, era a Estação Ferroviária o lugar mais propício na divulgação das idéias comunistas, pois ali o contato com os mais diversos trabalhadores rurais e urbanos acontecia constantemente. Algo que abordaremos no capítulo seguinte.
Pois bem, já início dos anos de 1940, segundo documentos escritos pelo Sr. Chagas Paz, atualmente pertecente aos acervos de sua filha Socorro Paz, a Associação Comercial de Ipu (1944) dispunha de 20 sócios com uma renda anualmente de Cr$ 720, 00 tendo como presidente Abdoral Timbó, dono da firma Abdoral Timbó & Cia. O secretário era Francisco Martins de Pinho, da afirma Melo & Pinho, seguidos do tesoureiro João Batista Mourão, da firma JB. Mourão. E ainda dos diretores Antonio Braz da Silva, Aureliano Carvalho de Aragão, Abdias Martins, Felix Alves de Freitas, Edgar Correa e Joaquim Soares de Paiva.24
Ao que parece essa Associação teve maior desempenho até os anos vindouros da década de 1940.Dessa data em diante não encontramos nenhum documento que fale sobre sua atuação na cidade. Até então, as fontes mais recentes sobre a Associação Comercial de Ipu aponta o ano de 1944 dentro de um projeto de cidade que já vinha sendo idealizado desde sua formação nos anos de 1920.É o que nos diz a fonte a seguir, referente a sessão realizada em homenagem ao quinquagéssimo aniversário da inauguração da Estação Ferroviária ocorrida em 1944.

Abriu a sessão o Snr. Presidente Abdoral Timbó, que em seguida passou a expôr os fins da mesma. Disse ele que indo transcorrer a dez de outubro próximo o quinquagéssimo aniversário da inauguração da Estação Ferroviária local, esta associação tomara a iniciativa no sentido de que êsse acontecimento, ou melhor, esta data que relembra um acontecimento que tanto influiu no progresso quer social, quer economico de nosso município, fosse condignamente comemorado, para o que eserava o apoio e coadjuvação de todas as classes conservadoras de nossa terra. Merecendo a idea o apoio integral de todos os presentes tratou-se da organização de comissões que se encarregarão de levar a bom termo os festejos que se profetam, as quais ficaram assim constituídas: COMISSÃO CENTRAL-Dr. Antonio Reinaldo Alves de Sousa, Dr. Luiz Costa, Abdoal Timbó,Dr. Justo Ribeiro, Dr. Francisco das Chagas Pinto, Dr. José Evangelista de Oliveira, Padre Cauby Jardim Pontes, Joaquim de Oliveira Lima, Francisco Martins Pinho, Vicente Jorge Ferreira Maia, Dr. Humberto Aragão, Maria Ceci Borges e Francisco Mourão.25


Nota-se, portanto a presença de grandes empreendedores ao lado do corpo místico da Igreja representado pelo padre coadjutor “Cauby Jardim Pontes”, peça fundamental na vida religiosa de Ipu durante os anos 40, tendo sido o fundador do Círculo Operário de Ipu já no começo dos anos de 1930. Como veremos adiante Pe Cauby foi figura de destaque na Igreja no combate ao comunismo e na defesa dos ideais da “classe conservadora”.
Como já afirmamos, a Igreja dispunha de setores da “elite” como grandes proprietários rurais e políticos conservadores atuando no combate a toda e qualquer forma de manifestação contrária ao interesses dominantes. Sua influência garantia a paz social e a manutenção do “status quo”. Embora os “homens de negócio” muitas vezes envolvidos por interesses pessoais e/ou familiares dividissem o espaço da política local, já discutido anteriormente, eram os mesmos que nutriam a velha cultura do apadrinhamento e do assistencialismo social através da distribuição de gêneros alimentícios às pessoas pobres, papel que envolvia as obras de caridade realizadas pelas -Conferências Vicentinas- ou Sociedade São Vicente de Paulo.


1.4 AS CONFERÊNICIAS VICENTINAS


“Não podemos calar nesta ligeira notícia o nome de Manuel Marinho de Sousa Lima um dos primeiros confrades de Ipú, presidente da primeira conferência, a de São Sebastião.Foi ele quem soube da exemplos do amor e da perseverança a instituição que tão vultuoso incremento há tomado na pequena urbs sertaneja”.26


Novamente a Revista dos Municípios nos traz riquíssimos detalhes de como os homens de destaque da cidade nutriam fortes laços com a Igreja.Em 1905 surge a conferência de São Sebastião fundada por -Manuel Marinho de Souza Lima-,Luiz Jacome de Mello e outros.Dois anos depois é fundada a conferência de São Gonçalo no dia 21 de abril de 1907. Em seguida -Nossa Senhora do Perpétuo Socorro-, fundada em 8 de abril de 1917, ano que marca na História a pregação e o combate da Igreja em todo o mundo contra o suposto “perigo vermelho” vindo de Moscou.E por último a conferência de Nossa Senhora do Desterro, fundada em 6 de agosto de 1922, outra data célebre de ascensão do movimento comunista no meio do operariado brasileiro.
Em outra interessante citação, a Revista dos Municípos traz o atual número de confrades existente na cidade no ano de 1929, não passando de 286 (duzentos oitenta e seis), o que aponta como sendo números bastante relevantes comparado a realidade de outros municípios vizinhos na época. Novamente a figura do Monsenhor Gonçalo Lima é apontada como diretor espiritual ou “guia principal da família vicentina”. Podemos assim dizer que Pe. Gonçalo Lima agia como “cérebro do sistema” das Conferências Vicentinas e demais associações pias existentes em Ipu.
Com isso, a Sociedade São Vicente de Paulo aglutinava boa parte dos setores mais conservadores, passando a ser um elo de ligação entre os -homens de negócio- e o poder divino. Seu “forte contingente”, distribuído em várias conferências reflete uma sociedade hierarquicamente organizada pela Igreja e os ricos proprietários de terra.Isto, portanto, destaca a efetiva preocupação dos ricos homens do comércio em controlar os espíritos de seus trabalhadores e agregados.
E isso não constitui somente um modelo único de sociedade característico da época. Esse processo histórico de diferentes formações discursivas sobre o controle e vigilância da sociedade é reconstruído nas práticas e experiências sociais realizadas pela Igreja Vicentina durante os anos de 1930/40. De fato a sua identidade moral e conservadora são novamente formulados nos discursos e ações de seus representantes maiores. Vejamos que, o caráter assistencialista da Conferência Vicentina de Ipu atendia aos propósitos do “Conselho Central Vicentino” da Diocese de Sobral na prestação de benefícios as pessoas carentes e realização de palestras e cursos distribuídos pelos “Comitês Anticomunistas”, sempre constituídos de pessoas pertencentes às famílias católicas tradicionais.
No jornal “Correio da Semana” nota-se, através de seus noticiários, o esforço em formar o “espírito cristão” da Sociedade São Vicente de Paulo, oferecendo bolsas de estudos como estratégia de atrair o maior número possível de adeptos para sua associação:

“O Conselho Central Vicentino da Diocese de Sobral, acaba de realizar uma Obra, fazendo entrega em princípio de Janeiro do corrente ano, de 20.000,00 para constituir uma Bolsa de Estudos. Dando a notícia desse acontecimento tem o propósito de fazer chegar ao conhecimento daqueles que contribuíram para a grande obra que levaram a efeito.”27

Tanto no campo como na cidade a religião significava uma forma de conformar a massa pobre e rude de seu estado de miséria através das obras de caridade destinadas às pessoas mais necessitadas. A construção de vilas e de casas ou então a distribuição de remédios e alimentos constitui o elemento formador de seu caráter assistencialista. Como já nos referimos, a atuação beneficente da Sociedade São Vicente de Paulo em Ipu não fugia à regra estabelecida pela Diocese de Sobral. Então, nada mais convincente do que construir uma imagem mística e idealizada do trabalhador local, cristão e camponês, afastando e impedindo os “pobres” da cidade de pensar por conta própria, isolando-os do convívio dos ricos.

Incalculáveis são os benefícios que prestam essas pequenas colméias á pobreza. Possuem uma pequena rua de casinhas destinadas aos pobres, distribuem semanalmente gêneros e socorros a cerca de setenta famílias, reúnem-se pontualmente no consistório da Matriz28


É necessário compreender que não se trata aqui em dividir o mundo entre “vítimas e culpados”, mas analisar o modelo padrão de sociedade dos anos de 1930/40 através das imagens e representações como matizes e discursos da prática católica. A nossa preocupação maior é discutir como o político e o sagrado andavam juntos, construindo práticas de controle e vigilância nos espaços de memória na cidade.
Na elaboração do discurso anticomunista dos anos 30 , a “caridade” é atribuída como uma virtude sagrada e puramente católica, pois “fora da religiosidade cristã não há virtude nenhuma a ser praticada”, sendo que “o comunismo” passa a ser destacado como antítese do sagrado, onde a caridade deixa de ser um elemento essencialmente benéfico ao “povo”. É o que mostra uma interessante citação contida em um livreto escrito em 1931 de autoria desconhecida, com o título: Guia do Povo Contra o Comunismo. Aqui, ressaltamos a ênfase dada a uma literatura que se dizia “escripta por um homem do povo” e o papel vigilante no combate ao credo vermelho.

...os communistas procuram arrancar do coração do povo a crença em Deus, procuram matar a Fé, a Esperança e a Caridade, porque enquanto estas três virtudes existem na alma de um homem, esse homem não pode ser communista.29


Interessante notar o discurso produzido nesse pequeno livreto e suas definições sobre “o que é o comunismo” e porquê os “homens simples dos sertões deveriam repellir com firmeza e energia todas as idéias de subversão da ordem e de destruição da paz na família brasileira.”30 Essa institucionalização da memória discursiva sobre a idéia do “mau cidadão” brasileiro enuncia o discurso fundador31 da narrativa anticomunista dos anos de 1930, o que para Bethania Mariani já vinha sendo produzido desde 1910, mas que ganha uma nova dinamicidade imaginária entre os anos de 1930 e 1937.
É bem verdade que a dimensão da vida social em Ipu, durante o pós-30 não poderia ser diferente, pois a existência e o papel das Associações Pias encontrava-se diante da preocupação da pobreza urbana, e isso tinha diferentes reflexos no aspecto da vida cotidiana na cidade. Desse modo a sociedade São Vicente de Paulo atuava como força regeneradora na sustentação dos costumes e na preservação dos valores morais da Igreja em meio ao assistencialismo anticomunista difundido pelas “irmãs de caridade” nos bairros mais necessitados, no desamparo ao menor e na distribuição de gêneros alimentícios.
Segundo depoimentos colhidos com o Sr. católico Eurico Martins, integrante da Sociedade São Vicente de Paulo desde 1952, “a chegada das irmãs de caridade parece ter somente acontecido com a construção do Patronato Sousa Carvalho”, inaugurado no dia 23 de setembro de 1951.
Ao referir-se a militância católica e ao comunismo o Sr. Eurico logo afirma:

...não posso lhe dizer muita coisa, pois nos anos de 1940, por aí... (suspiro) eu somente freqüentava a Igreja, época que fui Congregado Mariano, nesta época eu era muito novo compreende...então, somente comecei a participar da Sociedade São Vicente de Paulo em 1952 onde estou até hoje como presidente coordenador...bem, quanto ao movimento comunista, isso aí não é do meu tempo, compreende...32


Percebe-se no depoimento oral do Sr. Eurico Martins um certo desprezo e desconforto ao falar do “comunismo”. Em sua fala, “isso não é do meu tempo”, traduz um discurso narrativo onde o silêncio atua como uma “forma de linguagem” pré-determinada.
Ora, este tipo de “memória não dita” é entendido por nós como uma identidade social própria de uma cultura anticomunista, enraizada na prática tradicional do catolicismo patriarcalista e nordestino. O que para o historiador é algo que pode ser mencionado como um indício altamente valioso, se o mesmo souber usá-lo como objeto de pesquisa. Como bem menciona Portelli, “a informação mais preciosa pode estar no que os informantes escondem e no fato que fizeram esconder mais que no que eles contaram.”33
Novamente chamamos atenção referente aos Comitês Anticomunistas que agiam em conjunto com o projeto político-assistencialista das “Semanas Sociais” e suas reuniões de bairros, promovida pela Diocese de Sobral como estratégia de combate ao comunismo.
A Sociedade São Vicente de Paula, espalhada pelas diversas cidades interioranas da região norte da Ibiapaba nos de 1930/40 nutria fortes laços com os trabalhos realizados pelo Monsenhor Sabino de Loyola, figura central do Comitê Anticomunista, algo que abordaremos no capítulo seguinte.
Não devemos esquecer que muito dos integrantes comerciais e conservadores da sociedade ipuense nos anos de 1935 em diante irão dar suporte a uma outra Sociedade Beneficente, agregando no seio de sua agremiação setores das “elites” católicas, preocupadas em construir seu próprio conceito do que pretendia ser o operário local, voltado as artes e atividades esportivas. Nos referimos ao “Club Artista Ipuense”, fundada em 13 de maio de 1935 e inaugurada em 29 de junho do mesmo ano, permanecendo então suas atividades até o ano de 1942.


1.5 CLUB ARTISTA IPUENSE: Uma Sociedade de “Artistas” e “Operários”

“Sob a denominação do Club Artista Ipuense, fica fundada nesta cidade uma sociedade independente, sportiva e beneficente, com ilimitado número de sócios, cujo fito é dar diversão e união à classe artística e operária.”34


Outro fator que identifica a presença de formas reais de conflito durante o pós 30 refere-se a criação do “Clube dos Operários”, que segundo os escritos de Francisco de Assis Martins fora criado pelos artistas de Ipu e mais especificamente os “Pedreiros” que não tinham acesso às dependências do Grêmio Ipuense.35 O que levanta aqui uma reflexão a respeito de como setores pertencentes a sociedade local, aparentemente chocavam-se com as idéias de uma “cidade sonhada” à luz do progresso.
Ao que podemos perceber esses conflitos pareciam refletir não exatamente uma “luta de classes” entre opressores e oprimidos, mas um controle sobre os trabalhadores e “operários” através da atuação de seus membros mais ativos e de maior influência na sociedade. Entre os trabalhadores de diversas categorias estavam aqueles que se situavam nas consideradas “áreas marginais” da cidade como artesãos, sapateiros, pedreiros etc.
Mesmo assim, a presença de “artistas” e pedreiros como Mestre Ângelo, Francisco das Chagas Paz, José Artur, Antonio Marcelino, Mestre Chico Sobral, Mestre Zé Mosaico e outros, assumiam características ligadas aos anseios de uma classe “intermediária” que precisava ser educada sobre a ordem e os bons costumes.
Através do Estatuto de 1937 do Club Artista Ipuense é possível percebermos como os órgãos dirigentes da época tinham um controle sobre a conduta moral de seus associados e entendiam o “operário” como parte integrante de uma sociedade harmônica e civilizada. A citação acima se refere ao artigo 1 do Estatuto. Vejamos que o operário é chamado a unir-se ao mundo civilizado das Artes numa forma de criar uma imagem benevolente do trabalhador local.
Para nós, esta mesma imagem confunde-se com os valores ligado aos interesses da Igreja e o seu projeto de controle e vigilância sobre a sociedade. Mesmo porque a sua influência dar-se-ia através das mais variadas manifestações artísticas e culturais na cidade, atuando nos espaços de sociabilidade das elites, o que na época era entendido como sinônimo de civismo e amor a terra.Para tanto era preciso a criação de espaços que viesse integrar, mesmo que às vezes de forma indesejável, somente pessoas que fossem reconhecidas como “artistas” ou integrasse o convívio da “melhor sociedade local”.

“Não se fazendo certo a permissão de serem admitidos sócios pessoas que não eram artistas, viu o seu presidente nisso um perigo, porquanto foi fundado o pequeno grêmio para a classe, dela fazendo sua elite”.36


A citação acima foi retirado do Almanaque de Francisco das Chagas Paz, publicado no ano 1961.Coincidentemente o mesmo é citado no estatuto de 1937 como sendo presidente do Clube Artista Ipuense naquele período, sendo também um ativo militante das Conferências Vicentinas.
Para entendermos melhor o motivo que levou a criação do Clube Artista Ipuense é necessário fazermos aqui um rápido perfil do Sr. Chagaz Paz e suas supostas divergências com alguns membros do Grêmio Recreativo Ipuense. Pois bem, Chagas Paz era filho de Joaquim de Lima Paz e Joana Marinho Paz. Destacado como grande empreendedor e Farmacêutico também pertencia ao Grêmio Recreativo Sociedade Dançante, fundado em 1918, local onde localizava-se o antigo Palacete Iracema, sede que abrigava a já citada Associação Comercial de Ipu.
Formado por um grupo de intelectuais da cidade como Abílio Martins,Thomaz de Aquino Corrêa, Manuel Bessa Guimarães, o Grêmio Recreativo Ipuense aglutinava em sua maioria os mesmos “agentes comerciais católicos” ligados a valorização das letras e da artes. No trabalho monográfico de Jorge Lima sobre o Gabinete de Leitura Ipuense37 é possível compreender melhor do ponto de vista simbólico, como esta agremiação, no final do século XIX e início do século XX, representava aos olhos da elite local a necessidade de cultivar a prática da leitura como forma de exaltar o “progresso espiritual da cidade”.
As fontes escritas, no entanto silenciam sobre a presença de Chagas Paz nessa agremiação, mas há relatos orais que falam sobre suas desavenças com os representantes do Grêmio Recreativo Ipuense. Numa de nossas entrevistas orais realizada com o Sr. Florival Vale de Paiva, morador do centro da cidade, encontramos indícios dessa suposta desavença.

... pelo que sei teria sido seu Joaquim Paz, pai do Marcone, que teria se desentendido com os bacana lá do Grémio Ipuense, prometendo então tocar fogo no local (pausa) Foi aí que seu Chico Paz e Vicente Rocha resolvem sair do Grêmio...daí Chico Paz, junto com seu Chagas Paz tiveram a idéia de fundar o Clube Artista, com uma verba conseguida pelo governo de Getúlio Vargas...38


Na realidade ainda constitui algo superficial sobre sua real desavença, mesmo assim o depoimento acima não deixa de ser um indício de como viria surgir, mas precisamente no século XX uma nova agremiação elitista que tinha o “trabalho” como discurso mediador do “homem simples” com a chegada da “modernidade”. Vale ressaltar que sua criação data do ano de 1918 e que só mais tarde (1935) seria conhecido como Clube Artísta Ipuense.
É provável que muito de seus idealizadores tenham se inspirado nas leituras do jornal Primeiro de Maio, órgão pertencente ao “Centro Artístico Cearense”, publicado em Fortaleza no primeiro de maio de 1904, tendo, portanto sua linha de pensamento dedicado às tradições beneficentes e a educação do operariado. Segundo os estudos de Adelaide Golçalves sobre a imprensa dos trabalhadores no Ceará, o Centro Artístico Cearense “é a primeira entidade a estabelecer ligações entre o movimento operário cearense e o primeiro Congresso Operário Brasileiro”39, tendo como propostas principais o fortalecimento de suas ações no combate as idéias libertárias que pairavam dentro da própria entidade beneficente. Partindo dessa análise o jornal Primeiro de Maio atuava na defesa contrária à “intromissão da política” em seu meio.
Numa citação contida no jornal “Ipu Grande” em outubro do ano de 2007, Francisco de Assis Martins, de acordo com dados colhidos de seu já falecido pai Anastácio Martins e da filha do Sr. Chagas Paz, conhecida como Socorro Paz, há um destaque do ato de inauguração do antigo Centro Artístico Ipuense.

“[...] E assim, numa manhã do dia 29 de junho de 1918, numa reunião na residência do Sr. Francisco da Chagas Paz, foi criado o Centro Artístico Ipuense, associação que congregava pessoas grada de nossa Ipu, especialmente os artistas de qualquer profissão. Com o passar do tempo o Centro recebeu o nome de Clube Artísta Ipuense e funcionou temporariamente numa casa alugada situada na rua Pe.Mororó, de 1935 a 1942, mudando-se para sua sede própria que não existe mais.”40

A citação acima nos faz refletir como o Centro Artístico Ipuense, em sua fase embrionária, já aglutinava figuras ligadas as mais variadas profissões contidas nos espaços do trabalho na cidade, sendo que só a partir do final dos anos de 1920 e início dos de 1930, a preocupação de exaltar o “operário” como elo de ligação entre o discurso da Igreja e das práticas capitalistas da modernidade faria com que os agentes dessa dita modernidade incorporassem um novo conceito sobre o trabalho. O que ao mesmo tempo parece contraditório, pois a Igreja nesta época não via com bons olhos essa modernidade, pois para ela a situação gerada pela queda mundial do capitalismo (1929) refletia a própria crise da modernidade, o que necessariamente não deixará de haver por parte da Igreja uma atenção maior quanto aos hábitos e costumes dos trabalhadores do campo e da cidade, principalmente pela influência do Bloco Operário e Camponês fundado em Camocim em 1927 e que mais tarde daria suporte para a criação do Partido Comunista (PC) daquela cidade em 1928.
Quanto a questão já levantada, as divergências em torno dessas pessoas influentes no comércio e na política ipuense nada mais eram do que afirmar suas próprias vaidades em torno do status e poder na sociedade. De fato, a idéia de modernidade incomodava a Igreja, mas criava um novo conceito de valorização do trabalho. Fora através das idéias defendidas pela Legião Cearense do Trabalho (LCT) que a Igreja assumia uma convicção crítica sobre a natureza negativa da modernidade capitalista. Segundo essa doutrina o “mal-estar existencial” da sociedade seria fruto da ordem perversa da modernidade industrial-capitalista, o que gerou uma influência decisiva na formação ideológica corporativista, centralizadora e antiliberal dos Círculos Operários.41
Como já foi dito as práticas e representações dessa modernidade sonhada e incorporada pelas figuras de destaque dessas associações recreativas estavam ligadas aos setores tradicionais da Igreja e que contraditoriamente alimentavam a idéia de uma sociedade harmônica, onde os trabalhadores e “operários” nada mais seriam do que homens vigiados e educados à obediência ao trabalho.
Interessante notar nos versos escritos do Sr. Chagas Paz o nome de alguns trabalhadores existentes na cidade. Ao falar de algumas categorias de trabalho Chagas Paz cita-os como sendo “artistas” que representavam a imagem do desenvolvimento e do progresso. Em sua lembrança os pedreiros, músicos, sapateiros e barbeiros, constituía a mão-de-obra mais especializada da sociedade recreativa Clube Artistas Ipuense:

Nossos artistas me lembro...
Por muito que conheci
Teve o Raimundo Pedreiro
Que fez a nossa Matriz
Onde todo mundo diz
Ter sido artista estrangeiro.

Mestre Gomes, Zecamelo
O João e o Chico Umbelino
Conheci-os, eu era menino
Todos como bons pedreiros.
E não há um descendente
Que proceda desta gente
Que não seja grande obreiro.42

Em outra parte de seus versos Chagas Paz fala do Centro Artístico Ipuense e a presença dos músicos e sapateiros em sua memória.

O Centro Artístico Ipuense
Com seus sócios se animou
E uma banda formou
Tocando com muita arte
Foi Navego seu regente
Isto foi um tempo quente
Com rival por toda parte.

Vem a tona a memória
O grupo de sapateiros
Fransquinho sendo o primeiro
Porque melhor trabalhava
Depois o mestre Barbosa
Com sua fala jeitosa
Quase que o acompanhava.

Raimundo Nonato Melo
Que venho lá de Sobral
Um artesão em geral
Trabalhava de barbeiro
Tocava flauta e Requinte
E entendia de tint...(ilegível)
Também um bom sapateiro.43


Além dos sapateiros como Fransquinho, mestre Barbosa, Raimundo Nonato, encontramos referência nos depoimentos colhidos de outros sapateiros artesãos como “Luis Feitosa”, Mestre Augusto, Luis Vasconcelos, natural de Santana do Acaraú, conhecido como “Luís Duro” e ainda os que se enquadravam como sendo dono de sapataria como o Sr. Antônio Jesuíno e Manuel Marculino, confeccionador de sapatos.
Pelo que podemos observar em nosso estudo os sapateiros constituíam uma categoria de trabalho especializada, no entanto voltado muito mais para o trabalho manual do artesão do que propriamente empregado de grandes oficinas ou fábricas. Isso, portanto não quer dizer que não houvesse alguma oficina pertencente a um pequeno ou médio comerciante na cidade.
Em outro documento referente a memória do Clube Artista Ipuense o Sr. Chagas Paz destaca o nome do comerciante José Palhano, dono de uma oficina de sapatos. A elevação da imagem do sapateiro configura a apropriação simbólica de uma categoria de trabalho especializado que estava ligado ao espaço de sociabilidade do Clube Artista Ipuense.

“Foi fundada a 13 de maio de 1935, com uma reunião de artistas no prédio onde havia uma sapataria (oficina de) do Sr. José Palhano à Praça Abílio Martins, vizinha ao Banco Rural de Ipú [...] passou 1941, vindo a 8 de janeiro de 1942, ter sede definitiva com a nova casa a Rua Padre Correia, numa magnífica esquina de rua onde ninguém se cansa de demorar ali, já pela posição do prédio, já pela salubridade e arejamento.”44

Devemos lembrar que o “Clube dos Operários”, ou mais precisamente Clube Artista Ipuense construía também seus espaços de sociabilidade.Segundo Francisco de Assis Martins, em seu mais recente livro, “muito de seus freqüentadores iam somente para observar os pares ou dançarinos e seus mais variados ritmos”.45 Eram os chamados “serenos”, ou aquelas pessoas que gostavam de ficar batendo um papo com os amigos ou então bisbilhotando a vida alheia, como se diz no popular.Em outra citação o autor destaca o cotidiano dos vendedores ambulantes com suas banquinhas de café e aluá em frente ao Clube Artista Ipuense. Entre esses observadores certamente estavam aqueles que tinham um olhar vigilante sobre a infiltração de idéias não compatíveis com o Clube Artista Ipuense. Em outras palavras, o “operariado” estava a todo instante vigiado e disciplinado dentro de seu próprio espaço, pois ali poderia estar algum integrante “incrédulo” ou simpatizante do comunismo atuando em meio ao “operariado” local.
Interessante ressaltar como a disciplina e o ordenamento de seus sócios e freqüentadores teria de início (1935-1938) funcionado sem nenhum estatuto sequer.
Segundo os escritos do Sr. Chagas Paz “era admirável como durante 3 anos um dirigente mantivesse um grupo de 70 a 90 famílias em obediência social só com a palavra falada.” 46Seria então, um ano depois da instalação da Ditadura Vargas que teria surgido os referentes estatutos, o que viria garantir “futuros benefícios” a seus associados de pouco recurso:

“Os estatutos surgiram em 1938, e dentre seus artigos apareceu o benefício aos associados: uma caixa de pecúlio e pensões, cousa esta que a reforma de 1940 veio modificar. Até então a sociedade dava pensão a seus associados em necessidade e fazia uma despesa de 150 cruzeiros para enterro do sócio, sendo este o único benefício no momento atual.”47


Pelo que podemos constatar acima a sociedade beneficente Clube Artista Ipuense sofria os reflexos de uma estrutura rígida e social, advinda de uma cultura religiosa secular sobre o respeito e obediência ao poder do latifúndio, no caso a “elite” católica dirigente que ditava suas regras e disciplina através do discurso produzido pela narrativa simbólica de poder, tendo a caridade religiosa como suporte ritualístico da causa beneficente.
Ora, a preocupação com o “alimento espiritual”, dado aos sócios (pedreiros, sapateiros, carpinteiros etc) que não tinham como pagar as despesas de seu próprio enterro é um indicativo de como a cultura religiosa não deixava de representar os hábitos e costumes do “sagrado” nos lugares de memória da cidade. E como define Pierre Nora, não constituído somente nos espaços físicos da cidade, mas nos lugares simbólicos e funcionais, simultaneamente48.
Muito embora houvesse o cuidado em disciplinar os sujeitos sociais, existia por parte da “elite” dirigente uma luta pelo status e poder que não se resumia somente diante do embate político convencional, mas no controle dessas próprias associações recreativas e beneficentes, o que acabamos de analisar anteriormente sobre os reais motivos que levaram o Sr.Chagas Paz a fundar o Clube de Artistas e Operários Ipuense, levando assim a congregar trabalhadores braçais e “artistas” com alguma especialização.
Vale ressaltar o papel dos Círculos Operários na região norte do Estado e a presença ativa de pessoas de destaque na sociedade ipuense em meio a essa forte instituição religiosa. E é nesse sentido que pretendemos analisar a intensificação desses -agentes comerciais-à disciplina dos trabalhadores no espaço social. O “caráter moral” e vigilante dos Círculos Operários e a elaboração dos discursos e imagens de uma cidade que se queria moderna veio incorporar ao trabalhador a necessidade de educá-lo para a implantação do “trabalho fabril”, apesar de Ipu não concentrar nesse período fábricas de grande porte como nos centros urbanos mais desenvolvidos, havia por parte dos “agentes da modernidade” a pretensão de dotar a cidade através de imagens representativas de uma “urb sertaneja” voltada para o progresso. Isto é importante notar o porquê da importância dos Círculos Operários na Serra da Ibiapaba e sua atuação eficaz contra o “perigo vermelho”, cuja organização dava-se através de seus membros mais destacados na sociedade.


CAPÍTULO II

A ATUAÇÃO DOS CÍRCULOS OPERÁRIOS NO ESPAÇO DO TRABALHO


.2.1 Os Círculos Operários no Ceará.

“...lembrem-se os ricos e patrões dos seus deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo, dos seus interesses pelas vias legítimas; e, visto que só a religião é capaz de arrancar o mal pela raiz, lembrem-se todos que a primeira coisa a fazer é a restauração dos costumes cristãos...”

( Leão XIII-Incíclica Rerum Novarum)

As pesquisas realizadas sobre a organização circulista no Ceará ainda parecem refletir o pouco interesse sobre a experiência social dos trabalhadores católicos na região norte do Estado. Segundo Jovelina Santos os Círculos Operários, no Ceará, tiveram início com o trabalho pastoral de D. Manuel da Silva Gomes,terceiro bispo do Ceará, que assume suas funções em 1912 e já encontra o clero católico cearense sobre a orientação da reforma trindentina, com base nos fundamentos da Rerum Novarum49. Sua efetivação prática só viria se concretizar em fevereiro de 1915, com a proposta de intensificar suas ações no combate às idéias contrárias aos princípios cristãos, principalmente quando estoura a Revolução Russa de 1917.
Diante deste contexto, a proposta circulista surge como peça fundamental na articulação com os sindicatos e alianças com as agremiações católicas em todo o Brasil, tendo o Ceará um destaque pioneiro nesse processo.

[...] o Ceará que se há colocado a vanguarda das boas iniciativas, pioneiro nas conquistas das causas justas e populares, teve a primazia entre os estados da Federação de ser o berço do circulismo. [...] Para assinalar as atividades circulistas de então, bastaria enumerar por exemplo a edificação de sua sede própria sede, à Praça Cristo Redentor, vindo após a instalação de escolas profissionais de sapataria, carpintaria, marmoaria, de alfabetização para menores e adultos,banda de música e cinema e ainda, um conjunto teatral.50


Para Jovelina Santos, “nas décadas de dez e vinte os círculos operários ainda não haviam se projetado em outras regiões do país, enquanto que no Ceará essa organizações assumiam importância significativa, expandindo-se para as cidades interioranas”51, o que nos parece bastante alusivo sobre a presença do movimento dos trabalhadores católicos em áreas não industrializadas situadas na região norte da Ibiapaba.
Muito embora as fontes trabalhadas em nossa pesquisa apontem os anos posteriores a 1930 como sendo de maior destaque no pensamento anticomunista católico, faz-se necessário entender como o processo de expansão do circulismo cearense contribuiu para o fortalecimento de núcleos e entidades beneficentes ligadas aos homens do comércio da cidade, algo já discutido anteriormente.
Pois bem, já nos primeiros anos da década de 1950, o Brasil vivenciava uma nova era industrial desenvolvimentista. A presença intensa de comunistas no interior do estado, incentivado pela crise da área rural fez surgir uma intensa mobilização dos Círculos Operários. Os registros de Jovelina Santos apontam para uma intervenção anticomunista nos espaços do trabalho dos agricultores durante esse período de forma mais atuante. Tanto que no final do ano de 1940 o Ceará era um dos Estados com maior número de Círculos Operários.52
Voltando a questão do trabalho pastoral de D. Manuel da Silva Gomes destacamos o papel da Ação Católica como instrumento de medição ligado aos Círculos Operários. Fora D. Manuel o responsável pela implantação da Ação Católica no Ceará e que consequentemente viria fortalecer a militância anticomunista nos espaços do trabalho, localizados nas cidades da serra e sertão da Ibiapaba. Como é o caso da cidade de Ibiapina localizada nas proximidades da serra Ibiapabana onde os trabalhadores rurais eram em sua maioria todos ligados a associação do Círculo Operário dos Trabalhadores Cristãos, fundada no ano de 1942.53
Interessante ressaltar a existência de outras entidades católicas que disputaram com os Círculos Operários o controle sobre os trabalhadores. Nos referimos a já citada Ação Católica brasileira (ACB) e a Juventude Operária Católica (JOC) que agiam concomitantemente com o objetivo de coordenar o apostolado cristão. Este último, entre os anos de 1935 e 1948 não tiveram boa aceitação no Brasil, pois segundo o trabalho de Valmir Francisco Muraro “a maioria dos cléricos não sentia a necessidade de articular um movimento que se preocupasse exclusivamente dos operários.”54 Apesar desse movimento ter sido somente restrito as áreas industrializadas do país, será somente em 1948 que o jocismo será de fato oficializado. Isso explica o fato da Juventude Operária Católica (JOC) assumir nos anos posteriores (1950-1960) uma posição anticomunista mais moderada nos espaços de trabalho.
Ainda em se tratando do circulismo no Ceará Jovelina Santos destaca a cidade de Sobral e Aracati como exemplo atribuído a expansão dos Círculos pelo interior. Um fator indicativo já acima citado de que não fora somente Fortaleza o foco de atuação dos Círculos Operários. Em Sobral é fundado em 1921 o Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José, tendo o bispo D. José Tupinambá da Frota um enérgico defensor da ordem moral anticomunista.
Ao analisar o trabalho de Agenor Júnior sobre A cidade disciplinada: a Igreja Católica e os trabalhadores urbanos de Sobral notamos a presença do Círculo Operário fortificado pela estrutura eclesiástica como algo estratégico, pois segundo Agenor “a relação da cidade de Sobral com o porto de Camocim teria levado a efeito a fundação do Círculo Operário”55, apontado nos estudos de Carlos Augusto sobre a militância Comunista em Camocim como uma “opção organizativa do operariado cristão”56
Em geral o crescimento das cidades, o avanço tecnológico e capitalista durante o século XX, trazido pelas grandes metrópoles como símbolos do liberalismo moderno, causava um mal-estar no projeto utópico do catolicismo circulista e legionário no pós-30. Como afirmamos anteriormente ambas se encontravam ligadas à classe dominante, as quais não interessavam assumir uma postura revolucionária contra os patrões na luta de classes.
Outro ponto interessante a ser destacado é a representação do trabalho feminino no meio circulista interiorano no final dos ano de 1940,ou seja, a idealização mediadora da militante católica com a família camponesa e operária. A origem rural destas militantes explica a natureza das relações de trabalho presentes no espaço sagrado dos Círculos Operários. No lugar do roçado mostra-se através da família camponesa um espaço controlado sobre um outro sistema hierárquico onde os hábitos e costumes assume uma função simbólica de poder. Muito embora a presença feminina no Círculo Operário, “não representava o interesse em integrá-la como força política que pudesse contribuir para a dinâmica do movimento”7, onde apenas as tarefas domésticas lhe colocava no papel de aceitar cargos sem menor importância. Acreditamos que de uma forma ou de outra a presença feminina estimulava o desejo de mostrar o espírito sagrado e benevolente da “boa mãe” vigilante e obediente. Dessa forma Jovelina Santos aponta o papel secundário da Ala Feminina no quadro de educadoras circulistas no processo de alfabetização do homem do campo. A chamada “Ala Moça” em toda suas atribuições e responsabilidades dispunha de um poder simbólico utilizado pela a Igreja como instrumento de poder e convencimento.

A ala Moça era concebida como instrumento capaz de salvaguardar a juventude da “corrupção moral” e dos maus costumes. Igualmente viam nos moços o potencial criador capaz de vivificar o circulismo, quando bem orientado para a prática sadia do lazer e das atividades culturais. 58

Conforme já afirmamos, a finalidade principal dos Círculos Operários no Ceará consistia em fortalecer a militância anticomunista nos espaços do trabalho, fazendo com que as paróquias interioranas assumisse um papel de vanguarda na formação integral do sertanejo católico e civilizado.
Como sabemos, durante os anos iniciais da Segunda República o Brasil destacava-se na época como um país essencialmente rural, o que contribuía para que o homem do campo fosse atraído pelas promessas de defesa do trabalhador agregado, afastando a ameaça de lutas e rebeliões contra o poder do latifúndio.
A presença dos Assistentes Eclesiásticos no meio circulista nos parece um indicativo bastante relevante se atentarmos para o fato de que sua missão era de identificar os sujeitos incrédulos e ameaçadores da ordem moral no mundo do trabalho e alertar a sociedade contra o “perigo do sindicalismo vermelho”. Seu sustentáculo maior estava na força de mobilização dos círculos católicos espalhados pelo interior, fazendo reuniões de auxílio aos camponeses, entregando mantimentos, instrumentos agrícolas ou então realizando palestras anticomunistas.


2.2 PADRE CAUBY E A FORMAÇÂO DO CÍRCULO OPERÁRIO DE IPU


Poderia Exm Sr., dizer algo sobre Circulo Católico de Operário que se arregimentam e se organizam sob a orientação da Santa Egreja, que mãe carinhosa e solícita, zela para que os seus filhos não se enveredem pelos caminhos tortuosos e falsos da doutrina atheia e a moral de Moscou...O Círculo, apesar dos efeitos da sêcca de 1932,vai ressurgindo por entre as mais consoladoras esperanças.Retorna pouco a pouco a sua marcha...59


De acordo com nossas pesquisas realizadas no livro de Tombo da Igreja de Ipu, encontramos vários indícios sobre as manifestações católicas de caráter anticomunista. Portanto a citação acima nos parece bastante significativa, pois ela carrega uma forte negatividade sobre a definição da doutrina comunista e sua relação com a “moral de Moscou”. O mais interessante é a forma como Monsenhor Gonçalo Lima destaca a presença do Círculo Católico de Operários, definido-o como verdadeiro modelo de educação e obediência para as mães que “zelam pêlos seus filhos”.
Lembramos que desde as décadas de vinte e trinta no Ceará, uma grande parcela de trabalhadores e “operários” das pequenas cidades interioranas viriam assumir significativa importância na aliança com várias agremiações católicas. Dentre elas os Círculos Operários Católicos, já destacados anteriormente, é uma dessas agremiações da vanguarda anticomunista no interior da zona norte do Estado.
A formação moral dos trabalhadores passava por uma rígida e constante vigilância por parte do Clero Católico.A ameaça comunista pairava por sobre a cabeça da intelectualidade católica.Nesse sentido, educar os trabalhadores na luta diária contra o “perigo vermelho”consistia em fortalecer, através do Círculos Operários Católicos e demais entidades religiosas, a chama da cristandade e a preservação moral dos “bons costumes.”
Segundo Jovelina Santos, muito dos estudiosos afirmam os anos de 1932-1945 como um período de maior atuação do Circulo Operário no Brasil, tendo ano de 1932 a data célebre do pioneirismo circulista na cidade de pelotas no Rio Grande do Sul. Coincidência ou não, neste mesmo ano seria fundado em Ipu (1932) a formação de um “Círculo Operário” por Pe.Cauby Jardim Pontes,coadjutor do então padre Monsenhor Gonçalo de Oliveira. Natural da cidade de São Benedito, Pe Cauby era um sacerdote de punho firme e enérgico, conhecido por sua postura conservadora no combate ao comunismo ateu.


Pe. Cauby Pontes, que trabalhou comigo de 1942 a 1947, o qual, além de muitos outros benefícios, restaurou o Círculo de Operários, incentivou o catecismo e (ilegível) a cidade de uma amplificadora que, adquerido por subscrição popular,é propriedade parochial.60


Como bem afirma nos escritos deixados por Monsenhor Gonçalo Lima no livro de Tombo da Igreja, Padre Cauby surge com a missão de “restaurar o Círculo Operário Católico”, vinculado ao corporativismo fascista e integralista do operariado cristão, além de contar com as diversas associações pias como a Congregação dos Moços Marianos e a Liga Feminina da Ação Católica.Entidades representativas e vigilantes no meio católico cearense.
Em entrevista realizada com a senhora Maria da Conceição Viana encontramos algo referente a memória de Padre Cauby. Em suas palavras é possível perceber algumas características relacionada a um homem de educação rígida e militar, praticante de educação física e que gostava de “raspar o rabo do seu cavalo” para sair desfilando pelas ruas da cidade.

...Ele era um rapaz muito alto, muito forte, musculoso, sabe?.. bonito, novo, sabe...Ele chegou aqui no Ipu para ajudar o Monsenhor Gonçalo Lima que estava velhinho, cansado...Ele tinha um cavalão alto, bonito e ele raspava (risos) o rabo do cavalo e deixava uma vassourinha na ponta [...] Ele fazia missa cinco horas da manhã e a Igreja ficava completamente cheia de gente e cantava todas as músicas. Tinha uma voz linda, forte sabe? Ele era um espírito avançado. Era, era (pausa) como se diz, tinha liderança....61


A figura do Assistente Eclesiástico constituía um dos importantes fatores de mobilização e propaganda ideológica do circulismo. De fato , agia como um dos mecanismos de controle social da Igreja, tendo um papel decisivo e doutrinário na vida cotidiana do “operariado” cristão. É o que diz Damião Duque de Farias em seu trabalho, “Em defesa da ordem” ao destacar o papel do Assistente Eclesiástico como figura de ação ofensiva no meio católico circulista.

[...] Na verdade, o Assistente Eclesiástico é o primeiro dirigente de qualquer das esferas do movimento circulista. Em última instância era ele quem definia a ação católica entre o operariado, o Estado e o patronato. Por isso mesmo era que seus nomes se sobressaíam entre os demais em todos os documentos e articulações realizadas... 62


Outro interessante documento, escrito pelo próprio Pe.Cauby no ano de 1944 destaca o ato de inauguração do Círculo Operário de Ipu, tendo em vista o forte apelo corporativista de “proteção à classe trabalhadora”, o que nos parece evidente a sua forte e atuante presença em meio ao “operariado” cristão do interior da região norte da Ibiapaba durante os anos de 1940.

O Círculo Operário de Ipú, fundado em 17 de janeiro de 1932, sob o patrocínio de São José, e dependendo da autoridade eclesiástica, é uma organização forte e perfeita, para proteger a classe trabalhista visando a grandeza do Brasil, com sede e foro nesta cidade. O número de sócios é ilimitado. Já conta com o pequeno número de 141 homens e 42 senhoras, perfazendo um total de 183.Tem por objetivo coordenar a atividade dos seus sócios, para fins que seguem a cultura intelectual, moral,social e física,pela fundação de escolas etc,etc; auxílio médico e dentário;finalmente a sindicalização das classes operárias. O Círculo Operário de Ipú compreende 4 categorias de sócios: Efetivos, cooperadores (ilegível) [...] A Diretoria do Círculo compõem-se de um presidente, um vice-presidente,1 e 2 secretário,um tesoureiro e um adjunto, um delegado geral, um assistente eclesiástico [...] O patrocínio do Círculo de Ipú é constituído de donativos em geral,das contribuições dos sócios e dos lucros das instituições festivas etc. Segundo seus estatutos, aprovados pela assembléia Geral dos sócios, realizada no dia 19 de março de 1944 só poderão reformados por ocasião de outra Assembléia Geral para este fica convocada.O Círculo Operário de Ipú se dissolverá quando número de sócios for inferior a do Dissolvido, o seu patrimônio,descontado o passivo será entregue à autoridade eclesiástica afim de ser pregado na organização de outra sociedade com os mesmos fins ou, então, integrá-lo no patrimônio da Paróquia. 63



Temos, dessa forma a tentativa de afastar o ímpeto revolucionário das idéias socialistas e sindicalistas no interior do estado, educando e preparando a classe operária através de escolas e núcleos pertencentes aos métodos políticos e ideológicos do Clero Católico.Vejamos que,o documento nos trás riquíssimos detalhes em relação aos objetivos defendidos pela Igreja na época.Nota-se, portanto uma preocupação com a “cultura intelectual, moral, social e física” por parte do postulado católico ipuense. O culto ao corpo, a higiene e a educação religiosa estavam interligados a um código de regulação baseado ao adestramento de uma sociedade disciplinada e vigiada ao mesmo tempo. Não é por acaso que as chamadas “Semanas Sociais”, ações práticas de encontros e palestras realizadas pela Diocese de Sobral, agia na intenção de propagar as “boas leituras” e o temor aos “vícios modernos”. Leiam-se vícios modernos as idéias provocativas e efervescentes da época como o Espiritismo, Protestantismo, Maçonaria e Comunismo.

“...É na escola que se vai travar a maior batalha entre a Egreja e as forças infernaes, que de todos os lados a assaltam. Convençam-se todos da necessidade imperiosa de propagar a Boa Imprensa [...] Os Adversários da fé, que são muitos e perigosos, diffundem com astúcia satânica por toda a parte as mas leituras:urge, pois, empregar a maxima vigilância para arrancar das mãos do povo semelhante peçonha e dar-lhe pabulo substancial da boa leitura”. 64


Vejamos então, na escrita acima a preocupação em enfatizar a escola como espaço de disciplina e combate em relação as “mas leituras”. O efeito discursivo nessa narrativa é direcionado a uma prática de normatização dos costumes típico da época, estabelecendo uma representação simbólica e ideológica do “outro” no todo social. No decorrer de nossa pesquisa não encontramos nenhum documento escrito de oposição às práticas defendidas pela Igreja. Se existia alguma “imprensa má”, isto é, não alinhada com os ditames do jornalismo católico ainda constitui algo a ser pesquisado com maiores detalhes.
O que podemos afirmar é que durante a formação do Círculo Operário Católico de Ipu nos anos 30 existiam alguns manuscritos de “caráter literário e noticioso” como “a Razão” (1930), “a Luz” (1932), “O progresso”(1933), jornal editado pelos estudantes, “A Semana” (1934), o que analisamos como sendo manifestações literárias de inclinação conservadora e que para a Igreja, apesar de manter total vigilância compactuava com essa “sociedade letrada”. Visto que, o número de pessoas que dominavam a escrita nos anos de 1930/40 era praticamente inferior ao número de analfabetos, ou fiéis católicos de origem camponesa (ver tabela da página 24), o que nos leva a crer que as idéias do sindicalismo vermelho na região norte da Ibiapaba circulavam entre a massa sertaneja através da tradição oral, conforme a aproximação tática de elementos vindo de fora.
Em uma interessante entrevista oral concedida novamente pelo Sr. Florival Vale de Paiva encontramos referência a uma pequena peça de teatro realizada pelos integrantes da Cruzada Eucarística. Segundo o mesmo tratava-se de um longo discurso que falava sobre a “imprensa boa” e a “imprensa má”.Em sua memória, o mesmo relembra a figura de sua mãe que participava da encenação teatral em frente a Igreja de São Sebastião e em algumas localidades do município. O interessante é que somente era encenado por mulheres que militavam na Cruzada Eucarística, tendo a forte presença da “Ala Moça” pertencente ao “Círculo Católico”, mas que também contracenavam com outras mulheres de diferentes Associações Pias. Se observarmos em sua “fala” o discurso anticomunista é freqüentemente associado ao duelo narrativo entre o “bem” e o “mal”.

“....Minha mãe organizava um drama, me lembro muito bem, o drama era feito só por mulheres, homens não fazia parte do drama, das peça teatral delas né!...então minha mãe levava uma peça teatral (pausa) chamada a briga das imprensas. Quando baixava um pano aparecia no palco uma moça de branco como um livro numa mão e uma cruizinha na outra imitando nossa senhora, com um estandarte azul e uma cruz branca ...Aí ela começava o discurso: Eu sou a filha legítima de Gutemberg, a imprensa boa.... (suspiro), livro bom, de ciências que voam pelas asas da tipografia. Era longo sabe, o discurso...Concluia dizendo: Daí-me entrada larga senhores, que eu quero passar e vencer no Brasil...Aí entrava de súbito uma outra moça de vermelho...na mão um nomizim com letra amarelo de ouro: Viva a Revolução! A moça trajano curto, assim como um soldado( pausa), parecia São Sebastião....”65



Ao continuar a narrativa percebemos com maiores detalhes a tipologia desse longo discurso cênico e anticomunista característico da época: Chamamos a atenção para a formação imaginária da “má imprensa” e a entrada de um outro elemento narrativo chamado de “imprensa marrom”:

....Daí a moça de vermelho respondia: passar e vencer no Brasil? Ah! Quem passa e vence em toda parte sou eu, insensata, rata, raios, maldição!...Sabes, abrasonada, fidalga, moralista, severa.(risos)Sabes quem sou eu? Aí respondia: Sei, é a imprensa má, ramo podre de uma árvore benigna. Vai te daqui, não entrarás no Brasil! Ela respondia: Não entrarei? Ei de entrar em nome da liberdade, aonde os brasileiros preferia a mim mas não a te , cantilena velha, realejo cansado (risos). Tu és inimiga, a voz da tirania, da opressão dos espíritos...Teu desejo é acorrentar a mocidade (pausa). Essa cruz que carrega, esse cristo que adoras, esse evangelho que prega, presunçosa, não vês que tudo isso acabou? Aí a branca dizia: Tudo isso vive e nunca acabará! Eu penetro no palácio dos ricos...não sei o que mais (pausa), aí entrava outra, a imprensa marrom, toda de marrom com o nome Paz. 66



Dando continuidade ao discurso finalizaremos com o diálogo entre as imprensas apontadas na citação anterior. Chamamos novamente a tenção para memória narrativa como um importante recurso histórico na compreensão e análise do discurso anticomunista:

...O que é isso colegas, estão brigando? Aí a primeira dizia: é essa maltrapilha que aqui a dizer asneiras e eu quero mostrar que eu sou mais forte. Aí a marrom dizia: Tu imprensa branca fascina a teus leitores com as mesmas ladainhas. E tu imprensa vermelha, ataca a Deus com muita fúria, mas mostra muito tuas garras... No auge da briga a imprensa marrom se retirava e a imprensa vermelha puxava de um punhal. Então a imprensa branca finalizava dizendo: A mim poderes do céu, em nome de Jesus Cristo, a mim anjo custódio do Brasil...Aí aparecia um anjo dentro de uma nuvem de fumaça, todo trajado de São Miguel parece, jogava a bandeira nacional no peito da imprensa vermelha, que caia ensangüentada e logo em seguida cantava o hino da Cruzada.67



Interessante observar na parte em que a “imprensa vermelha” é atingida no peito pela bandeira nacional, o efeito simbólico representado nesta cena. Ou seja, o exemplo do patriotismo, do “bom cidadão” brasileiro está naquele que repudia o comunismo, e que portanto será sempre um vencedor ao lado de Deus e Nossa Senhora.
Essa imagem negativa da imprensa vermelha apresentada como um mal sempre esteve associado ao discurso do jornalismo católico. Uma memória construída e reconstruída em determinado tempo histórico. Entre os anos de maior embate entre a igreja e o comunismo (1946/47) o “Correio da Semana” usava de seus artifícios narrativos e imaginários contra “onda vermelha” do jornal “O Democrata”, fundado no ano de 1946.
Quanto às palestras realizadas pelos Comitês Anticomunistas, a presença da “Liga Feminina da Ação Católica” mostrava a força da militante católica no combate ao “credo vermelho.” No entanto, era no interior que essas palestras agiam como mediadora dos discursos anticomunistas realizados pelos Círculos Católicos e que nem sempre limitava-se a figura masculina. Em Ipueiras, por exemplo, numa nota publicada no jornal “Correio da Semana” no ano de 1945 , em homenagem ao quarto aniversário do Círculo Católico daquela cidade, nota-se a importante presença do corpo feminino na militância circulista na região norte da Ibiapaba:

Às (7) sete horas da manhã do dia 19 houve a Santa Missa solenizada com cânticos por todas as jovens operárias que fizeram sua comunhão pascoal. As 8 horas organizou-se o desfile ao som de belíssimo hino circulista cantado com entusiasmo pelas jovens do povo (ilegível) olhos fitos no ideal que reluz,empunhando sua bandeira cujas cores abraçam a cruz na falta de mais rico programa de festejos, destacou-se essa nota bem significativa com que o Círculo de Ipueiras comemorou seu quarto aniversário de fundação.68


Percebe-se nessa nota publicada no periódico católico de Sobral, a importância dada aos ritos e cânticos realizados pelo Círculo Operário de Ipueiras. Ora, era necessário disciplinar o indivíduo, acostumá-lo a valorizar os rituais simbólicos dos Círculos Católicos. Dessa forma, o impacto causado pelas imagens produzidas através de gestos e símbolos católicos deixa clara a manifestação de controle social e de uma cultura moral religiosa que idealizava a mulher como sendo a guardiã das práticas sagradas. Protetora do lar, temente a Deus e obediente aos ensinamentos e dogmas da Igreja. A mulher incorporava-se a própria imagem da “cidade sagrada” nos espaços de memória.
Vale ressaltar que no mesmo ano da fundação do Círculo Operário de Ipu (1932), outro movimento operário conhecido na época como Legião Operária São José surgia na cidade de Viçosa sob o comando do Padre José Carneiro da Cunha, “ardoroso e grande entusiasta da classe operária”69.No livro de Caio Passos que trata da biografia do Monsenhor Carneiro há uma pequena citação sobre a chegada desse movimento legionário em Viçosa. Segundo o autor sua sede inicialmente provisória funcionava no Gabinete Viçosense de Leitura.70
Outra fonte de pesquisa encontrada nos jornais Correio da Semana nos parece bastante alusivo em Relação as “Semanas Sociais” praticadas no interior da Ibiapaba durante este período. Novamente a fonte de pesquisa aponta nossa vizinha cidade de Ipueiras.Vejamos:

“Sob a sabia orientação do nosso querido e virtuoso Vigário, Monsenhor Francisco Fontenele, realizou-se nesta cidade, com brilhantismo êxito, a Semana Social, de que participaram as autoridades, as associações religiosas, todas as classes sociais e avultado número de populares, manifestando a sua natural repulsa ao comunismo ateu [...] O programa de cada dia consistia em desfile pela manhã, com hinos religiosos, assistência à santa Missa e comunhões. Á noite, após a benção do Santíssimo realizaram-se sessões de estudos no Salão Paroquial, sob a presidência do Revme.Vigário, sendo entusiasticamente aplaudidos todos os oradores. No dia 7 domingo, encerraram-se as manifestações anti-comunistas com uma Missa Campal [...]Usaram da palavra diversos oradores, combatendo os princípios moscovitas e as suas tramas diabólicas.Perante incomputável multidão, na praça da Matriz pronunciou brilhantíssimo discurso o Sr. Venceri Félis de Sousa, que, em linguagem clara e concisa, dissertou longamente sobre o nefando regime comunista mostrando que o mesmo é inimigo de Deus, da Pátria e da Família.” 71


Na realidade, a proliferação dos “Comitês Anticomunistas”, tendo a frente Monsenhor Sabino Loyola, representava a ação prática do postulado católico contra o suposto “perigo vermelho”.Em Sobral, Pe. Sabino Loiola participava freqüentemente de palestras realizadas no “Ginásio Sobralense”, como podemos ver a citação do jornal Correio da Semana: “ No dia 18 realizou-se a sessão deste estabelecimento, presente os alunos e professores. Presente o R. Pe Sabino Loyola, presidente do Comitê anti-comunista...” 72
Assim, a imprensa católica sobralense cumpria o seu papel de incutir na sociedade o desprezo e ódio pelas idéias comunistas, criando toda uma atmosfera propícia em relação ao “outro” como uma figura maldita e diabólica.
Vejamos outra citação contida no Correio da Semana exaltando a famosa SEMANA SOCIAL de Sobral , onde destaca-se o papel essencial da militância católica circulista e das demais associações Pias da cidade:

...As 3 horas da tarde a população católica de Sobral começou a se dirigir para a praça do Patrocínio donde partiu o grande e magnífico desfile que sacudiu a cidade em fremitas(ilegível) de civismo e de fé.Ali se viam dezenas de estandartes e bandeiras, cartazes e dísticos das Associações Pias, de classe, o Círculo Operário o Club Artístico, a Escola de Comércio D.José, O Ginásio Sobralense, os Grupos Escolares Prof.Arruda e Luiz Felipe e uma grande multidão que encobriu a vasta praça.NÃO QUEREMOS O COMUNISMO,DOMINE A RELIGIÃO DE CRISTO E ABAIXO O COMUNISMO[...]ADESÃO A SEMANA SOCIAL eram os dizeres dos cartazes.73


E ainda:


A Semana Social foi uma afirmação solene e inequívoca de que Sobral repudia com energia o comunismo ateu,anti-cristão e internacional. Foi mais um triunfo, foi uma apoteose dos nossos inabaláveis princípios de fé e brasilidade.74



Ao ler e reler as fontes escritas sobre o Círculo Operário de Ipu nos deparamos com a questão de um lapso temporal. Em um dos documentos escritos pelo próprio Padre Cauby, como acabamos de apresentar anteriormente, o ano de fundação do Círculo Operário data do ano de 1932. No entanto, o jornal “Correio da Semana” traz uma nota referente a 1 aniversário de fundação ocorrido no dia 19 de março de 1945.Apesar de nossas insistentes pesquisas na paróquia da Igreja Matriz de Ipu, tendo o apoio solícito e paciente do padre Raimundo Nonato, não encontramos nenhum documento sobre algum Estatuto ou ata escrita que viesse nos ajudar nesse sentido. O que é estranho e lamentável para uma sociedade que silencia sua própria história por causa da ignorância de alguns que se acham no direito de “violar”, “esconder” ou até quem sabe “queimar” tais informações.
Quanto a citação contida jornal “Correio da Semana” sobre o 1 aniversário do Círculo Operário de Ipu, no ano de 1945 nota-se, portanto a atenção dada aos desfiles realizados pelas principais ruas da cidade e a preocupação de exaltar os “operários ipuenses” sempre ao lado de figuras de destaque na sociedade. Vejamos então:

O Círculo de Operários de Ipú comemorou entusiasticamente, o dia de seu 1 aniversário de fundação. No dia 19 de março, às 5 horas, a população foi despertada pela Amplificadora São Sebastião, e a Banda de Música local que executou várias peças musicais, pelas principais ruas da cidade. A uma hora teve início a magnífica passeata dos operários ipuenses que foi abrilhantada também de figuras de destaque da fina elite ipuense. O desfile passou frente as duas bandeiras-Circulistas e Nacional, e por fim a massa operária prossegiu a passeata até a frente do Cine Teatro Moderno, onde falou o delegado geral Milton Aragão Soares, que com grande entusiasmo estimulou os operários aconselhando-os a preparação convicta de seu ideal. [...]Ás 14 horas pra encerrar com chave de ouro a festa do 1 aniversário do Círculo Operário de Ipú, houve no Cine Teatro Moderno [...] A composição da mesa II (ilegível)II Leitura do secretário Sr.Jovêncio (?) César Tavares. III Exposição do quadro administrativo do movimento do C.O de Ipú, desde 19-3-44 a 19-3-45 pelo Pe.Cauby Jardim Pontes. 75


Como podemos observar o ritual simbólico produzido pela passeata dos Círculos Operários era impactante para os olhos da população que assistia com tão grande entusiasmo. A fonte mencionado nos revela como o “operário” de Ipu representava a imagem do novo ipuense, ou seja, do trabalhador benevolente e disciplinado. Vejamos que a “fina elite ipuense” é citada como grande anfitriã do movimento circulista, passando em frente de duas bandeiras circulistas que dividia o espaço com a tradicional bandeira do Brasil, mais parecendo um desfile de exaltação ao Estado getulista.
Ora, era comum o movimento operário de inspiração católica realizar desfiles em praça pública, exaltando os símbolos e bandeiras de suas agremiações, utilizando emblemas e gritando palavras de ordem contra a ameaça comunista. Lembramos que, segundo depoimentos orais havia algumas manifestações de desfiles realizados pela da Ação Integralista Brasileira (AIB), o que vem ser um pequeno número de simpatizantes ou militantes existentes na cidade nos de 1930/40. Como sabemos grande parte das entidades católicas nos anos 40 dava apoio e proteção incondicional aos integralistas, tendo cobertura ideológica dos jornais “O Nordeste”, de Luís Sucupira e do “Correio do Semana”, ligado a Diocese de Sobral .
Nos depoimentos colhidos na casa de seu Francisco Irismar Mourão, conhecido popularmente por “Seu Maozim” há indícios dessas manifestações integralistas na cidade.

...não era somente a Igreja que realizava passeatas aqui centro da cidade. Existia nesse tempo aí um movimento político chamado de integralismo, pois é, aqui no Ipu, o Chico Rocha, junto com o seu Chagas Paz, o pai da Socorro Paz, um farmacêutico...eles faziam parte desse movimento (pausa) eram os camisa verde, é isso mesmo, conhecido por camisa verde por que só se vestiam de verde né!...Era um desfile bonito, bem organizado... Eu lembro que o chefe do integralismo do Ceará, era (pausa), era o Gustavo Barroso...falava bem...pois bem, ele fazia um discurso ali rapaz, espetacular...Eu me lembro assistindo aquele discurso dele ali...juntou muita gente né.76


Ao perguntar sobre a relação de circulistas e integralistas Sr. Irismar Mourão nos diz:

...não sei se existia exatamente alguma ligação com esse movimento da Igreja. Só lembro do Chagas Paz que era um homem muito católico, um caba bom daquele tempo compreende....mas acho que ele era mais do outro lado do integralismo (suspiro)...deixa eu lembrar(pausa). Sim, o seu Joaquim Lima, seu Chico Lima, o seu João Chiquim e outros que não recordo no momento eram desse movimento aí da Igreja ....77


Podemos notar no depoimento oral com o Sr Irismar Mourão, alguns nomes de pessoas influentes da sociedade ipuense que supostamente integravam o movimento circulista. Um desses integrantes citados é o seu “João Chiquim” ou João Anastácio Martins, natural de Guaraciaba do Norte, chegou em Ipu no de 1936, vindo a falecer no ano de 2003. Segundo fontes conseguidas com o seu filho, professor Francisco Mello, seu “João Chiquim” foi presidente do Círculo Operário Católico de Ipu somente nos anos de 1958 a 1964. “Uma de suas atividades no Círculo foi à criação de uma farmácia com medicamentos de urgência para os associados.” Ao que parece, segundo depoimentos colhidos na residência do Sr. Francisco Mello, todos as pessoas mais influentes da cidade que faziam parte de uma entidade religiosa também se envolveram no movimento integralista. Entre eles o ex-integrante da Congregação Mariana, o já falecido Gerardo Aires, seguido de outros nomes conhecidos na cidade como Milton Aragão, Dr. Valdir Araújo, Francisco de Sousa Melo (Seu Caninha) e José Gentil Paulino.
Voltando a questão dos emblemas e exaltação das bandeiras no movimento circulista de Ipu, o próprio movimento legionário de Viçosa se apropriava destas mesmas expressões simbólicas utilizadas pelos Círculos Operários, com preocupação de afirmar através das cores e fardamentos a sua disciplina e organização:

“...Os legionários usavam fardamento próprio, em suas festas-calças branca e dolma azul-mescla e sobre o peito o emblema legionário [...]Aos primeiros domingos de cada mês, celebrava uma missa solene para a classe proletária. Após o ato religioso, os operários, em duas extensas filas com a Banda de Música executando vibrantes marchas militares, desfilavam garbosamente pela cidade[...] Com as bandeiras do Brasil e da Legião à frente, o Padre Carneiro também de dolma azul-mescla sobre a batina, ledeado pelo Estado Maior Legionário, comandava euforicamente, a grande parada cívica-religiosa que tinha como lema: “Ordem e Progresso Dentro do Direito”78


As atividades realizadas pelo Círculo Operário de Ipu, assim como as demais entidades circulistas da região norte não se limitava apenas em grandes passeatas cívicas, mas também na promoção de atividades de lazer, cultura, saúde e assistência social as pessoas pobres. Entre as atividades de lazer estavam aquelas que necessariamente enquadrava-se na realização de quermesses, gincanas, competições, almoços coletivos, colônias de férias, retiros espirituais etc.
Através do diálogo com as fontes escritas e orais percebemos o quanto a Igreja e seus representantes na cidade de Ipu se apropriaram da imagem do “sagrado”, aproximando o homem do campo aos valores do sindicalismo patronal e seu “estatismo orgânico”.Mas, apesar de toda a vigilância das organizações católicas sobre a conduta dos trabalhadores rurais, havia por parte da Igreja uma atenção voltada aos trabalhadores da Estrada de Ferro. São estes que supostamente levavam e traziam em seus vagões novas experiências e idéias de homens corajosos e destemidos que desafiavam o poder, alimentando o ódio e o repúdio dos “agentes conservadores” católicos que temia a infiltração das idéias comunistas nos espaços de memória da cidade.


CAPÍTULO III


A FERROVIA E O COMUNISMO SOB O OLHAR VIGILANTE DA IGREJA.


A partir da introdução da Estrada de Ferro, ocorrido no ano de 1894 a cidade de Ipu começa a inserir-se, ao lado de Camocim, Granja e Sobral dentro de um processo significativo de mudanças efetivas e sociais no espaço de trabalho. Muito embora a ferrovia tenha surgido no Ceará com a construção da Estrada de Ferro de Baturité no ano de 1870 a classe dos ferroviários voltaria a atuar portanto, durante os anos de 1930 e início dos de 1940 como uma categoria de grande influência no meio operário cearense. Isso se dar pelo grau de mobilização e luta por melhores condições de trabalho, algo que vinha acontecendo desde começo do século XX, com a greve ocorrida no ano de 1914 em Camocim, quando os ferroviários já atuavam na vanguarda de outros movimentos. Nesse sentido, a Igreja analisava como sendo uma ameaça a integridade moral do “operariado” cristão, pois estes eram influenciados pelas idéias sindicalistas e comunistas no meio rural e urbano.
No livro “Cidade Vermelha”, Carlos Augusto menciona a greve de 1914, período anterior a fundação do Partido Comunista em Camocim (1928), onde o ferroviários já começam a desenvolver uma “consciência de luta” no espaço do trabalho e que só depois da fundação do partido, haveria aí uma aproximação definitiva com o “sindicalismo vermelho.”
Basta dizer que nos anos tenebrosos da Ditadura Militar (1964-1985) muito dos ferroviários cearenses como João Ferreira de Sousa e José Maria de Oliveira79 sofreram perseguições brutais por estarem vinculados à militância do Partido Comunista.
Antes de analisarmos a atuação dos “Operários da Estrada de Ferro”, iremos aqui tentar perceber como a ferrovia foi incorporado como símbolo da modernidade, dirigidas através das imagens e discursos produzidos na cidade. Com bases em estudos já realizados sobre a ferrovia de Ipu, destacamos aqui o trabalho de Vitorino Filho, O Trem e a Cidade:as transformações urbanas em Ipu-Ceará (1894-1935)80.
Segundo Vitorino na segunda metade do século XIX Ipu parecia evoluir em seu crescimento econômico em função, principalmente da produção algodoeira que explicaria a nossa situação jurídico-religiosa da localidade. O mesmo analisa a expansão da malha urbana de Ipu no início do século XX e sua relação com a chegada da ferrovia, o que supostamente teria ocasionado mudanças de ordem social, econômica e cultural na cidade. Desde então palavras como “trabalho”, “progresso” e “civilização” faria parte dos discursos enunciados pelos agentes comerciais da cidade. Em uma de suas citações, contida na inauguração da Estação Ferroviária de Ipu (1894), o conceito de “trabalho” já era incorporado como princípio básico de “combate a ociosidade” e da prosperidade econômica do município. Prática semelhante ao discurso readaptado pela Igreja no controle e na conduta da classe trabalhadora durante ao anos de 1930/40. Vejamos então:

No dia em que inaugura-se a Estação do Ipú, (sic) vós, oh cidadãos ipuenses, deveis empenhar ao progresso a vossa atividade de tal sorte que, assim como a trompa de Harnani destinava-se a lembrança de um compromisso, o sibilo da locomotiva seja para vós um toque de alerta, que vos chame ao trabalho. Ah-, mansos sons desferidos pela fatidica buzina eram um sinistro apelo a morte, e o sibilo da locomotiva lembra-vos que não tendes direito a ociosidade, e sim obrigação ao trabalho é verdadeiramente um apelo a vida.81



Com a Revolução Industrial a “obrigação ao trabalho” seria de fato um dos discursos característicos advindo da mentalidade capitalista. A chegada da ferrovia em Ipu traria essa mentalidade como representação simbólica de uma cidade disciplinada. O que não quer dizer que não tenha existido formas de resistência a esse processo, como veremos adiante.
Durante o final do século XIX e início dos anos de 1940 o trem representava o progresso e a iniciativa de mostrar a cidade como parte desse discurso .Assim, a atividade comercial assentava-se na visão moderna das elites que usufruíam do trem como símbolo da mentalidade capitalista.
“Pela primeira vez o gigante de ferro deslizou em direção á multidão [1894] que anciosa esperava. Ei-lo que aponta Silvano lançando aos céus o fumo pardecento. Um fremito percorreu a massa humana que se acotovelava olhando em direção ao corte, da entrada. Folguetes festivos espoucaram nas alturas; a banda de música executou uma peça; romperam fraldas; prolongaram-se aplausos! Benvindo o Progresso! Benvindo a Civilização.”82


Muitas questões, portanto, não serão abordadas nesse trabalho com maiores detalhes pela limitação de fontes que usaremos somente no decorrer de nossas pesquisas futuras. Por outro lado, a partir do que propomos utilizar como fontes iniciais, acreditamos que seja possível no sentido de trazer novos indicativos a cerca da participação da Igreja e o seu discurso anticomunista nos espaços de memória na cidade. Ao que parece, a presença da Ferrovia em Ipu durante os anos de 1930/40 marca um período de grande agitação política entre a Igreja e a presença de alguns ferroviários simpatizantes dos ideais comunistas na cidade.


3.1 Nos trilhos da resistência:


”Convém notar que o pequeno número de renegados communistas, operários da Estrada de Ferro e matá-ratos, não são ipuenses; são forasteiros indesejáveis, atrevidos, ímpios e blasphemos, merecedores do despreso e da repulsa públicos”83



O que nos chama atenção nesse capítulo é que mesmo em Ipu durante o pós-segunda guerra o discurso da cidade ideal, moderna e progressista assumia a idéia da dinâmica “fabril” no modo de vida social. Chegamos assim a definir uma luta propriamente simbólica entre a Igreja e o “comunismo” durante esse período como parte integrante de um processo que já vinha se desenhando desde a segunda metade dos anos de 1920 .Embora saibamos que a militância comunista em Ipu não tenha adquirido uma realidade significativa ou atuante nos espaços do trabalho devido à atuação vigilante do Círculo Operário Católico e demais Associações Pias, há indícios de sua pequena infiltração representada na figura de alguns “supostos simpatizantes” que circulavam a Estação Ferroviária e, consequentemente mantinham contato com os demais “camaradas” residentes na cidade.
De acordo com uma das interessantes imagens sobre a Estação Ferroviária de Ipu podemos observar uma imensa concentração de pessoas ao seu redor. Trata-se de uma fotografia tirada no ano de 1944 após a missa celebrada por Monsenhor de Oliveira Lima em homenagem aos 50 anos da Estação Ferroviária, pertencente ao acervo do professor Francisco de Assis Martins.
Destacamos nessa imagem não somente o caráter físico e simbólico de um imponente prédio relacionado ao conceito do “progresso”, idealizado na memória de uma elite comercial católica que se pretendia consolidadora de uma identidade nobre, mas como espaço de resistência e conflitos no espaço de memória da cidade.
Desse modo, examinando a imagem propomos identificar os sinais de atuação da Igreja em relação a um espaço de constante vigilância na cidade. Certamente a Estação, como mostra a imagem abaixo, representava o lugar onde se devia prestar total atenção aos sujeitos sociais diversos que por lá circulavam constantemente.


Figura 1- Missa celebrada por Mons. Gonçalo Lima em 1944 na Estação Ferroviária de Ipu.

Interessante destacar a citação acima como parte integrante do embate entre católicos e comunistas. O caráter religioso da época revela através das palavras do Monsenhor Gonçalo de Oliveira Lima o desprezo marcante da Igreja em relação aos ferroviários ligados as idéias vindas de Moscou. Lembrando que Camocim, Sobral e Crateús de fato, estavam entre as cidades mais atuantes na luta contra o comunismo. No entanto nossas fontes apontam que no interior da Serra da Ibiapaba, devido a grande existência de trabalhadores rurais nas cidades como Ipu e Ipueiras onde podemos notar a presença da Ferrovia, a militância anticomunista teve forte presença.
Durante nossa pesquisa encontramos freqüentemente indícios de uma cidade que não aceitava ser “manchada de vermelho”. Os discursos proferidos sempre tratavam de uma sociedade pautada nos bons costumes e na fé inabalável de um povo temente a Deus. A idéia de que Ipu não compartilhava com nenhuma prática relacionada ao comunismo representava, portanto a idealização de um espaço harmônico e “sagrado”. Um silêncio determinado pelo conservadorismo de uma sociedade que se queria nobre e representante da ordem moral religiosa.
Tudo que dizia respeito ao “credo de Moscou” tratava-se de algo idealizado e trazido pôr pessoas vindas de fora, o que na realidade não deixava de ser. No entanto, a presença de alguns ferroviários alimentava a imagem construída desses “maus” operários como agentes propagadores dos ideais comunistas e que precisava ser banido do convívio da sociedade.
Como já havíamos comentado, a ferrovia era o lugar mais propício para a propagação de idéias contrárias a ordem dominante, portanto um lugar não somente ligado ao progresso físico e material como também um espaço de resistência, onde os sujeitos sociais, mais precisamente os “Operários da Estrada de Ferro” interferiam nos espaços das relações cotidianas.
Nos documentos pertencentes a Sra. Socorro Paiva, referente a passagem do cinqüentenário da Estação Ferroviária de Ipu (1944) encontramos alguns nomes que compunham a lista de funcionários da Estação como “José Paiva, agente encarregado da Estação, Miguel Bezerra, agente encarregado do armazém, Joaquim Ferraz Craveiro, agente encarregado da parte técnica de serviços e telégrafos, Isaias Liberato Carvalho, agente auxiliar, Adauto Bezerra, agente de refêrencia III que também trabalhava na parte do telégrafo, Raimundo Nonato de Sousa, guarda diarista, Olavo de Paiva Cruz, também guarda diarista, Domingos Bento Brandão, guarda servidor de motorista, Luis Gonzaga da Silva, guarda fios, Raimundo Lira, guarda (ilegível) e Pedro Sampaio, guarda (ilegível).”84
Vale ressaltar que no mesmo ano do cinqüentenário da Estação Ferroviária é fundado em Ipu “A Escola de Operários da Estrada de Ferro”, mais precisamente no dia 1 de agosto de 1944. A escola contava com número de 20 alunos, orientados pela professora Onéssima Andrade de Paiva.
No que se refere a esta escola não temos muita informação a respeito, mas acreditamos que sua criação fosse para disciplinar e manter uma certa posição estratégica de vigilância e controle sobre os trabalhadores e Operários da Estrada de Ferro, visto que, muito dos ferroviários se utilizavam de sua profissão para divulgar suas “idéias vermelhas” por onde passavam.
Novamente no trabalho do historiador Carlos Augusto Pereira dos Santos, podemos constatar a presença de um ferroviário e comunista de nome João Farias de Sousa (Caboclinho Farias) como figura atuante na região Norte do Estado. Sua presença em Ipu dava-se mediante seu ofício e a facilidade de contato com os Operários da Estrada de Ferro da Ibiapaba e em toda região.

“Sua profissão permitia que fizesse os contatos necessários para a articulação da militância em suas várias tarefas. De Camocim a Crateús, de Ipu a Fortaleza; onde os trilhos da ferrovia passavam, Caboclinho Farias tinha sempre um ‘camarada’ com quem trocava informações, recebia instruções, entregava encomendas[...]O foguista Caboclinho era, portanto, um elo de ligação muito importante que procurava não deixar a chama apagar nas células do PCB na Zona Norte do Ceará”.85


A atuação da militância comunista nos espaços de trabalho na região Norte iria disputar com a Igreja, sobre o ponto de vista político e ideológico o controle sobre os “operários” e camponeses. Embora houvesse uma enorme vigilância sobre o seu rebanho, não descartamos a possibilidade de que alguns dos trabalhadores que freqüentavam a Igreja simpatizavam com as idéias dos “camaradas” ferroviários.
Mesmo considerando o “comunismo” algo aterrorizador pregado pelo discurso da Igreja é provável que houvesse uma certa aproximação entre algum “católico simpatizante” com os poucos militantes ferroviários que vez por outra se encontravam na cidade .
Podemos notar que as idéias em conflito (Igreja e comunismo), adquiriam no plano simbólico um poder social e político, criando hábitos e costumes na cidade. Para Bourdieu o poder simbólico é exercido pela construção de uma realidade ou de uma ordem social reconhecida, muitas vezes imperceptível.86
Vale ressaltar a preocupação atribuída ao chamados na época de “mata-ratos”, ou seja, pessoas que trabalhavam no posto contra a peste, mas supostamente uma categoria que, segundo relatos orais tinha uma certa ligação com os ferroviários e comunistas.
Em entrevista realizada com o Sr. Pedro Paiva, deixa claro a presença de um desses agentes trabalhadores das “endemias rurais” que se declarava abertamente comunista na cidade.


Trabalhou trinta e tantos anos aqui no Ceará, na, na Sucam.. Ele era declarado comunista, andava escundido porque ele acompanhou muitos outros que andavam aqui pelo Ipu (pausa). Foi naquelas épocas ainda muito quando ele começou [pausa]de quarenta pra cá(pausa) É seu Júlio...Júlio Ferreira do Nascimento, parece...ele era de Sobral. O pessoal dele é de Sobral...Ele mesmo disse que no tempo dele ele falava mesmo que era comunista...parece que ele hoje mora na Brasília...Ele morou aqui no Ipu, o posto era aqui do Ipu, a sede da Funasa né...87


Nesse contexto, a presença desses “homens da saúde”, simpatizantes dos ideais comunistas podem nos ajudar a visualizar o espaço da Estação como lócus de resistência ao projeto de modernidade imaginada pela “melhor sociedade da época”.
Ao surgir o nome do Sr. Júlio Ferreira, nos veio logo a idéia de entrevistá-lo no sentido de tentar compreender o seu papel histórico como militante ou simpatizante comunista na cidade. No entanto, segundo nos mostra a citação acima, tivemos informação de que o mesmo teria viajado para Brasília, o que comprovamos realmente por intermédio de alguns de seus amigos e conhecidos.
Temos aí então, através das pistas encontradas em nossas fontes orais, que esses “homens históricos”, simpatizantes do sindicalismo vermelho, ao lado de outras categorias silenciadas, como os protestantes e as meretrizes88, exemplos de como “a parte suja da cidade” necessitava de controle e vigilância, para que as feridas dessa sociedade não viesse contaminar o espaço nobre da “elite” comercial católica.
Devido a presença da Ferrovia, grande número de comerciantes, proprietários de terras avolumavam seus negócios e traziam novos hábitos e costumes para cidade, desenvolvendo em Ipu espaços de sociabilidade elitistas já citados no capítulo anterior como o Grêmio Recreativo Sociedade Dançante, a Associação Comercial de Ipu (1922), O Jardim Iracema (1927), O Banco Rural de Ipu (1929), o Clube de Artístas e Operários de Ipu, entre outros.





3.2 O “INIMIGO VERMELHO” RONDA A CIDADE: Memórias de um Comunista chamado Madureira


É preciso que todos estejam atentos porque o inimigo vai chegar.
Vai chegar pela calada da noite.
Distribuindo sorrisos e prometendo pão.
Os sorrisos porém são amargos e o pão amargará.
O inimigo é falso e porque é falso procura usar o que é verdadeiro.
O inimigo é medíocre e porque é medíocre procura usar do que é elevado.
O inimigo é odioso e anda na sombra.
E porque anda a sombra se diz perseguido.
Se diz maltratado e se queixa de que fala em nome de um ideal.
Diz que fala em nome da lógica e que fará prodígios.
Que fala em nome do Direito e da Justiça e que distribuirá a todos o que é de todos.
E acabará com a fome e com o frio.
Mas é preciso repetir que o inimigo é a besta que tem o número seiscentos e sessenta e seis.
E quem tem este número porque é o exagero da trindade, o Anti-Cristo.
[...]
O inimigo de Deus se apossou do sofrimento dos homens.
E está falando em nome de longas misérias.
O inimigo se apossou da fome de pão e de carne.
Se apossou das mães que morreram nos bairros da miséria.
Das crianças sem lar.
Dos homens brutalizados pelos trabalhos longos e sem recompensa.
É preciso que todos os que sofrem saibam que é Cristo o pai do sofrimento.
E que só Ele tem os remédios.
É preciso que os operários olhem para o grande Operário, o filho do Operário.
[...]
Há sinais de que estamos chegando aos tempos da profecia.89

Nos referimos a citação acima, escrita no trabalho de Damião Duque de Farias no sentido de recompor a imagem do sujeito comunista em Ipu através da memória social, tentando entender como se dava as formações discursivas do “inimigo vermelho” nos espaços de memória da cidade e como a Igreja da época se utilizava das tradições e práticas narrativas no controle e vigilância da sociedade.
Assim, como bem destaca as palavras grifadas a “chegada do inimigo” realmente indicava no discurso da Igreja nos anos 30 e 40 uma tentativa de moldar a sociedade contra a influência do sindicalismo vermelho. Notemos então que o “grande operário” ou “o filho do operário”, é uma referência mencionada na época à simbologia de Cristo como sendo o único a quem os trabalhadores e “operários” deveriam recorrer.
É interessante notar que no ano de 1946, a cidade de Ipu, como as demais cidades da região norte, as sentinelas da vanguarda anticomunista, denominados na época de “Exército Mariano”, ao lado de outras Associações Pias já se preparavam para atuar na linha de combate ao comunismo, manifestando apoio condicional a eleição de Onofre Muniz (PSD) candidato a Governador do Estado, disputando acirrada campanha contra Faustino de Albuquerque (UDN), apoiado na época pelo PCB cearense.
Destacamos então o ano de 1946 em Ipu como sendo o divisor de águas no que diz respeito as manifestações de caráter anticomunista na cidade. Como já nos referimos anteriormente, é um ano que marca um dos momentos mais conturbados da história política cearense. Período envolvido no início do processo de abertura democrática do Governo Vargas e de maior atuação comunista no interior da zona norte do Estado.
Portanto, as divergências entre os religiosos e comunistas, assumiria nesse período uma nova fase no espaço de luta pelo poder e de uma afirmação anticomunista nos espaços de memória da cidade de forma mais violenta. Sem dúvida a preparação e engajamento para campanha eleitoral de 1947, contribuiu como fator determinante da propagação da doutrina social da Igreja no combate ao suposto “inimigo vermelho”. Não é por acaso que uma das propostas defendidas pelo programa da Liga Eleitoral Católica –LEC, consistia em aplicar a lei de garantia social “contra a subversão e combate à legislação que contrariasse a doutrina católica”.90
Ao investigar os sinais de atuação dos atores sociais perseguidos pela Igreja durante esse período nos deparamos com a presença de um comunista chamado Hugo Madureira. As fontes orais e escritas apontam como sendo o líder maior da prática comunista na cidade. A partir de então surgiram várias indagações a seu respeito: quem era Hugo Madureira? De onde veio? O que fazia? Como se dava sua ação militante nos espaços de memória na cidade? Existiam outros comunistas além de Madureira? Qual o seu papel social na cidade?
Segundo relatos orais e pouco dos escritos referentes a seu respeito, Madureira era gaúcho, natural do Rio Grande do Sul. Tudo indica que sua presença em Ipu diz respeito a sua profissão como coletor federal na cidade, supostamente teria sido transferido do sul do país por razões de sua militância comunista. Mesmo assim, ao chegar em Ipu por volta de 1943 a 1944 angariaria prestígio de toda sociedade pela sua eloquência e facilidade de fazer amizade.
Até então todos achavam Madureira uma pessoa distinta, pacata, inteligente, mas aí quando o mesmo passa a ser identificado pelo aparato eclesiástico da Igreja como uma “ameaça vermelha” , começa então a surgir boatos de sua ligação com outros supostos comunistas infiltrados na cidade. Isso portanto teria sido reforçado quando Madureira resolve implantar do lado direito da Igreja Matriz de São Sebastião a -Liga dos Trabalhadores de Ipu-, uma espécie de sindicato ligado ao homem do campo e da cidade.
No livro de João Mouzart da Silva, Ipu do Meu Xodó: Memórias, publicado no ano de 2005 o autor traz em sua narrativa algo referente ao conflito entre Madureira e Padre Cauby, o idealizador do Círculo Operário de Ipu. Podemos perceber pequenos detalhes da Liga Trabalhista sobre sua localização na cidade, inclusive a marcante presença do líder circulista já citado.

A liga tinha casa alugada na Praça da Nova Matriz, que ficava quase em frente, do lado direito, que servia de sede. Era ali o ponto de encontros noturnos. Numa das salas do imóvel criou-se uma escola para ensinar a todos a prática de escrituração mercantil, cujo professor era o próprio Madureira. A escola era apenas um meio de disfarçar seus ideais nocivos à religião católica.91


Em outra parte de sua narrativa João Mouzart descreve o momento mais turbulento do conflito:



[...] Naquela noite de 23 de novembro de 1946, por volta das sete horas,os dois prelados- Pequito e Cauby-estavam na Igreja, repleta de fiéis. Os presentes não estavam ali para missa ou novena. Atendiam a convocação do Padre Cauby, que desde a véspera havia concitado a todos para um desagravo à religião católica. Indiferente ao que ocorria na Igreja, Hugo Madureira realizava, como todas as noites, mais uma reunião da Liga Trabalhista do Ipu, com boa participação.[...] Padre Cauby para lá se dirigiu, chefiando o mesmo grupo que havia convocado para a Igreja. Os convocados eram homens em sua maioria, e seguiam o sacerdote no rumo da Liga...os discursos se sucediam, até que, em dado momento, aconteceu o inesperado.Começou uma verdadeira chuva de pedras, atingindo telhado, paredes, portas e janelas do prédio da Liga, atiradas pelos católicos a mando de Padre Cauby. Quando os integrantes da Liga foram à rua para ver o que acontecia, a vaia comeu de esmola.92



Ao estudar as várias memórias construída pela passagem do Sr. Hugo Madureira no Ipu apresentamos então como a imagem do “sujeito comunista” é associada a uma outra representação sobre a cidade. Nos referimos a cidade como “campo de conflitos”, rememorada na visão dos sujeitos históricos que vivenciaram o espaço de lutas e resistências. A partir daí, podemos perceber como a memória social é imprescindível para uma análise mais precisa e subjetiva dos acontecimentos ocorridos.
No depoimento de um dos alunos que frequentava as aulas noturnas de Hugo Madureira, há uma preocupação em exaltar a imagem do professor comunista como um sujeito “inteligente”, “danado”, pois suas aulas refletiam uma personalidade de um “verdadeiro líder”.

...eu tava estudando nesse dia, inclusive (pausa) eu rapaizim. Eu sai pelo telhado, a negada botaram ele pra correr...ele altamente capacitado...ele era muito danado né!...ele botou uma aula de (pausa) aprendizado de, de ensino, como é que chama?...pra ensinar aprender a fazer escrita... (suspiro) não sei que (pausa)...mercantil...era escritura mercantil!..ele era uma capacidade...ele era gaúcho.[...] Ele foi botado de lá pra cá porque ele era metido a comunista, ele era chefe do (pausa), como é que chama?...da coletoria federal lá do Rio Grande do Sul, né! Aí ele veio pra cá...era meio baixo,gordo assim, mas era uma inteligência viu? Conversava com o doutor lá da sucam...naquele tempo não era sucam não...Pois bem, aquele pessoal ferroviário andou se filiando lá na associação comunista...(pausa) como é que era o nome rapaz?..Os trabalhadores não sei de que...eles botaram o nome lá...e ele, ele tava atraindo eles né, fazer o governo dele!...93



Na referência à memória de seu Irismar Mourão percebemos um outro olhar referente ao suposto comunista. Enquanto que a Igreja da época criava uma aura mística e preconceituosa sobre o comunismo, utilizando-se do poder discursivo e simbólico exercido através dos sermões dos padres em suas paróquias, a ação dos comunistas e seus simpatizantes resumiam-se através das mesmas estratégias de convencimento através de pequenas células espalhadas pelo interior. Este espaço do poder simbólico dava-se mediante a concorrência do poder político e da visão de mundo de ambos os lados.
É interessante notar em uma outra parte do depoimento oral de seu Irismar Mourão como agia Hugo Madureira através de sua facilidade do poder de convencimento, sempre denunciando as mazelas e exploração do trabalhador.

eu mesmo vi ele fazer um discurso lá na calçada ali, onde hoje é a farmácia do seu coisa...aí fazendo um discurso a noitinha (pausa) disse, olha, Jesus Cristo;...o Madureira falando né!.. Quando Adão pecou no paraíso, eu nunca esqueci isso! Quando Adão pecou no paraíso ele estabeleceu um castigo pra o homem né! Um castigo pra mulher...a mulher de sentir dor no parto né? E o homem ganhar o pão com o suor de seu rosto, mas atualmente os homens vivem ganhando dinheiro com o suor do rosto dos pobres...e é mesmo né?..94


Pelo que podemos perceber no depoimento acima, o acirramento das lutas ideológicas entre a Igreja e o Comunismo tinha como prática de convencimento a utilização de leituras interpretativas de alguma passagem bíblica, incorporando a realidade vivida do homem comum no espaço do trabalho. Ao que parece teria sido uma prática recorrente pelos comunistas se utilizarem das mesmas armas simbólicas da Igreja.
Percebemos isso na própria Literatura Popular de Cordel em que a imagem do Cristo “comunista e revolucionário” é posto diante de uma memória narrativa e contrária aos dogmas do discurso católico. Vejamos então em um dos versos produzidos pelo grande poeta Patativa do Assaré:

Se com sentimento nobre
o que defender o pobre
grande comunista é,
pertencente a mesma lista
o primeiro comunista
foi Jesus de Nazaré...95

Não podemos esquecer que durante o ano de 1946 o surgimento do jornal “O Democrata”, de defesa da causa comunista no Ceará, iria assumir um importante papel contra o discurso anticomunista católico.
Já do lado da Igreja, o jornal “Correio da Semana” de Sobral, citado no capítulo anterior, apresentava notícias de como o povo deveria se comportar e reagir contra as investidas satânicas da “hidra de Moscou”, divulgando através da página circulista das paróquias os principais acontecimentos religiosos nas cidades ibiapabana.
Ao analisar a entrevista realizada com o seu Irismar Mourão ressaltamos mais uma vez a sua “fala” e a importância dos detalhes mencionados sobre o conflito.

...aí nós fomos naquele dia assistir as aulas né. No dia a Liga dos Trabalhadores que era dos comunistas, foi no dia anterior e no outro dia era, era o estudo...e nós tava lá...aí começou!...rapaz, e o padre começou a convocar o pessoal da...assim cedo, começou a convocar o pessoal ali da serra. E Madureira era um caba até danado...eu me lembro que ele andava com um pauzinho de fogo assim, niqueladozim, né! Então eu tinha um revolver também, um revolver daquele Mauser né. Então aí eu fui subir pelo telhado né! Pra escapar, porque se não nós não tinha nem escapado. E aí o Osíres, meu irmão, aquele mais novo, tava lá dentro, aí eu fui logo mandar ajeitar o Biratan, melhor dizendo o seu Naval que era pai do Biratan. O naval tava lá com o Madureira também...eles começaram a jogar pedra...pá,pá,pá...rapaz, parecia que tinha cem metralhadora atirando....era um tiroteio tão grande, rapaz e nós em tempo de ficar doido (risos). Eu tinha mais ou menos 16 ou 15 anos, deve ser...então, aí o que acontece é que seu Madureira tava assim meio apertado, mas tinha um caboco que era valente de Camocim, era de Camocim. Então ele tava lá! Ele era altão...um desses camaradas pra garantir né! Era um caba destemido viu? E o Madureira era um comandante mesmo né! Ele com um pau de fogo, rapaz e aí ele esperando a hora de deixar cair as porta pra eles poder sair tudinho duma vez né...O que aconteceu foi isso: quando o caba tacou a faca nele e aí o sapateiro... ele ia na frente(pausa) quando o caba botou a faca no Madureira,né, aí o Manoel deu um empurrão nele...aí ele tacou fogo pra cima e deu dois tiros...aí o pessoal fastou uma coisinha...E aí de lá ele telegrafou pra o governador e o diabo...96



Chamamos a atenção para essa outra parte da entrevista oral sobre a presença de um sapateiro da cidade de Camocim que segundo o Sr. Irismar Mourão era o “braço direito” do líder comunista Hugo Madureira. Pelo que constatamos trata-se do sapateiro Manoel Feitosa que residia no bairro periférico do Corte, localizado próximo a Estação Ferroviária.
Não há exatamente fontes escritas que mencione o nome desse suposto simpatizante das idéias comunistas em Ipu. No entanto na memória do Sr. Irismar Mourão ele era apenas um sapateiro que gostava de acompanhar Hugo Madureira como uma espécie de “secretário particular”. Mesmo assim fica aí uma indagação se seria realmente este sapateiro um simples ajudante ou então uma peça fundamental de contato e formação na “consciência de classe”, exercida através das aulas e discursos realizados por Madureira na Liga dos Trabalhadores.
Embora saibamos que muito dos simpatizantes do sindicalismo vermelho não fossem exatamente comunistas, o conceito de “comunista” da época tomava por parte da prática católica uma conotação generalizada, relacionado a todo aquele que discordasse do processo de normatização e costumes católicos. Ora, discordar do padre era a mesma coisa que assinar a sentença de morte perante o tribunal de inquisição. O “mal católico” seria portanto considerado um “comunista”, um “herege”, um “anticristo”, portanto, um causador da ordem inversa do sagrado na cidade.
Outro ponto interessante mencionado sobre a presença de comunistas na cidade nos revela detalhes de que entre alguns também existiam conflitos supostamente relacionados a questões partidária. É o que percebemos em outro momento da entrevista realizada com Sr. Irismar Mourão.

...nesse tempo morava ali nos Pereiro um caba bom que também era comunista. Não me lembro exatamente o nome dele compreende, acho que era Chico Mourão, Antõe Mourão...ele tinha um apelido de Timorão... não lembro bem...sei que ele não se entendia muito com Madureira, mais todo mundo sabia que ele era comunista mesmo. Não queria nem saber de padre, de Igreja, odiava essas coisa aí...(pausa). Não sei quem contava que todo ano, no início da Semana Santa ele sempre sangrava um cordeiro, um carneiro sabe, parece que era só pra infernar os católico, por que como você sabe o cordeiro na religião é coisa sagrada né...97


A figura desse senhor Mourão, conhecido como Timorão, nos traz um indicativo de que antes da chegada de Madureira parecia haver sinais de que em Ipu o ideário comunista já rondava a cidade. Entretanto, não há evidências concretas sobre sua militância comunista na cidade, o que acreditamos ser apenas um simpatizante do ideal comunista ligado ao Trotskismo, supostamente por influência de algum ferroviário ou coisa parecida, pois sua casa localizava-se bem próxima a passagem da linha férrea.
Destacamos então o bairro conhecido como “Pereiro” em alusão ao nome de uma enorme árvore que fora retirada do lugar para a colocação dos trilhos da linha ferroviária durante o período da construção da via férrea, já comentado por nós nesse capítulo.
Segundo o Sr. entrevistado, “Timorão” morava no campo florestal, próximo a linha férrea, ponto estratégico de comunicação com ferroviários militantes. Tinha também o hábito de criar cobras, gostava somente de conversar com pessoas que criasse animais. Contudo, apesar de mantermos contato com alguns de seus familiares não conseguimos no momento obter nenhuma entrevista oral, o que seria de grande valia para o nosso trabalho.
No que se refere a interessante afirmação sobre o hábito de Sr. Timorão de “sangrar carneiro” na entrada da Semana Santa, não conseguimos encontrar vestígios ou outras fontes ligadas a esse tipo de manifestação ritualística por parte dos comunistas, mas há quem diga que o hábito de “sangrar carneiro” fosse prática comum entre os militantes trotskista durante os anos 40, o que parece um costume especificamente ligado a antiga tradição judaica.
Ora, se realmente existia alguma divergência desse senhor com Madureira parece então refletir uma luta partidária entre as facções comunista na época o que merecia um trabalho a parte.
Voltando a questão do conflito da Igreja com a Liga Trabalhista, no livro de Tombo, Monsenhor Gonçalo Lima registra o acontecido, destacando em suas palavras a importância dos missionários na formação do espírito cristão anticomunista. É possível perceber nessa fonte escrita o sentimento de repulsa ao “inimigo vermelho”. Vejamos então:


Os missionários tiveram a grande felicidade de incultir no espírito do povo verdadeiro ódio ao macticto communismo, como bem provaram os acontecimentos das noites de 24 e 25 de Novembro, nas quaes as massas populares reunida na calçada da Matriz ao lado do Nascente vaiára os sócios da Liga dos Trabalhadores do Ipu (ilegível) a máscara trabalhista fundada por Hugo Madureira, colletor federal, vindo do Rio Grande do Sul, onde fizera mil proezas.[...] Na primeira noite a causa da revolta do povo foi a falta de respeito ao padroeiro, ao Sacramento e à Matriz, bem assim quadras insultuosas cantadas ao som de uma harmônica e afinadas a pessoa de Pe.Cauby, Vigário Cooperador. Em noite de (ilegível) o povo ainda muito indignado reuniu-se nas immediações da Matriz, porque correra o boato de possível assassinato de Pe.Cauby, aliás, ausente naquela noite. Os communistas da Liga atiraram pedras contra a grande onda popular, que reagiu contra elles, sem receio de balas communistas correr a camarelha, quebrando portas, tecto, queimando e arrebentando tudo...Pareceu um ato selvagem, mas foi uma lição conveniente, uma repulsa digna de catlolicos às direitas, cujo exemplo foi imitado no mês seguinte em Crateús. Pade Cauby, que viajava para Fortaleza, a 25, teve ao regressar no dia 30, uma recepção estrondosa, em desagravo e reparação aos insultos da canalha communista.98


Conforme registros encontrados no jornal “Correio da semana” a relação dada a outros acontecimentos dessa natureza pareciam ser freqüentes naquele período. Em Crateús por exemplo a reação desencadeada pela Ação Católica contra a realização de um comício comunista em praça pública reflete como a “grande onda popular” acontecia simultaneamente em várias cidades do interior cearense:

Sob a chuva de váias ao comunismo dando vivas ao Cristo Rei, o Santo Padre Pio XII, e ao querido Bispo Dioccesano, os crateuenses souberam, como nunca, defender (ilegível) os princípios de nossa Igreja Católica Apostólica e Romana, a Pátria e a Família brasileira. O comício comunista heroicamente destroçado deu lugar as principais ruas da cidade, terminando, aproximadamente das vinte e (ilegível) horas, com o brilhante discurso proferido de improviso pela inteligente aluna da Escola Técnica do Comércio “Pe. Juvencio”, a senhorita Isaura Lima, presidente da Ação Católica de Crateús. Está de parabéns a rica e próspera terra do Senhor do Bonfim, onde ainda existe sentimentos do catolicismo e patriotismo, garantia segura e evidente do que a hidra comunista jamais tomará conta do domínio do senhor do Bonfim.99


No trabalho de Francisco Wilson Noca, Sermões, Matracas e Alcatrão: religiosos e comunistas na luta pelo poder (1946-1950), o autor chama a atenção sobre a cruzada católica no combate a infiltração dos núcleos comunistas no interior cearense: “O clero, aguerridamente integralista e anticomunista, mantinha uma reação constante às ações do comitê do PCB, com estrutura para mobilizar, em pouco tempo, os grupos de provocação aos seus eventos.” 100
Ainda nesse mesmo período histórico quando da passagem do escritor e militante comunista Jorge Amado na cidade de Itapajé (1946), aconteceria algo semelhante com o que ocorrera com Hugo Madureira em Ipu. Luciana Albano em seu trabalho monográfico apresentado em 2005, ao analisar através da oralidade as tensões entre católicos e evangélicos na cidade de Itapajé apresenta interessantes detalhes sobre os “amigos do evangelho”, que segundo a mesma poderia ser os mesmos comunistas que saudavam a vinda de Jorge Amado. O episódio teria acontecido na “praça do povão”, onde se encontravam, segundo Luciana Albano, alguns comunistas daquela cidade como “Zezé, Júlio Pinto e Zé Porqueira”. Vejamos a narrativa de uma de suas fontes orais obtida através da senhora aposentada Estela Gomes de Sousa:

...vieram fazer um comício aqui [...] ali na praça [...] Aí houve um quebra-quebra, que os católicos mesmo viero pra acabar com isso aí. Que ninguém aceitava e ninguém aceitava mesmo. Aí era pra acabar, pra botar pra ir embora. Aí foram, onde foi o escritor...esqueci [...] Que queriam implantar o comunismo aqui em Itapajé, mas a Igreja revoltou-se e botô pra correr.101


Devemos entender que na primeira quinzena de novembro de 1946 a campanha eleitoral no interior do Estado assinala uma verdadeira luta travada entre católicos e comunistas. Estava aí aberta a “campanha de caça aos comunistas”. Tanto é que os conflitos político-ideológicos assumiam proporções radicais. Como acabamos de relatar, provocavam enfrentamentos corpo a corpo, parecendo mais uma grande massa de homens embrutecidos em luta contra o “inimigo comum”.
Nos editoriais do jornal comunista “O Democrata”, denuncia constantes não deixavam de ser publicadas contra a violência brutal, praticada pela massa católica no ano de 1946 e durante a campanha eleitoral de 1947. Vejamos numa de suas edições:

Os comunistas cearenses, como seus camaradas de outras unidades da Federação, tiveram de suportar um mundo sem fim de insultos, calúnias, provocações e até agressões físicas, sem que perdessem a cabeça, agindo de acordo com as recomendações do grande Prestes, quando aconselhava a todos prudência e calma, como arma capaz de enterrar definitivamente o Fascismo em nossa terra.102


Ainda em se tratando do comunista chamado Madureira achamos oportuno identificar sua imagem na cidade através da memória de um dos militantes católicos ligado à Congregação Mariana na época do conflito. Vejamos então na “fala” de seu Eurico Martins:

O Madureira, ele não era, segundo a história, as histórias, porque eu não conheci assim pessoalmente com aquela amizade e tal, mas segundo ouvi dizer, o Madureira não era uma boa peça. Ele era muito valente...ele não era católico, me parece né, que ele fosse de outra religião e aí, na verdade ele não gostava mesmo da Igreja né...103

Com base nesta citação, a imagem do sujeito comunista é associado aos outros inimigos eleitos pela Igreja da época, como no caso dos “protestantes”, outro seguimento social bastante combatido pelas entidades católicas dos anos de 1930/40.Vemos aqui como as “pessoas comuns” tinham uma visão de mundo totalmente idealizado pela cultura católica da época. Para o Sr. Eurico Martins, Madureira poderia ser de “outra religião”, pois “ele não era católico”, o que pressupõe na mentalidade popular daquele período que, ser comunista era a mesma coisa que ser protestante ou vice e versa. Como bem afirma Luciana Albano, a hostilidade dos católicos contra o avanço do protestantismo levou muitas pessoas de Itapajé a chamar os próprios comunistas como “amigos dos crentes.”104
A intermitente agitação política ocorrida no ano de 1946 entre os representantes da Igreja e o Comunismo é entendido no imaginário popular como uma “época do pavor”105. A memória construída da cidade representa esta afirmação anticomunista nos espaços de projeção dos discursos imaginários. Como bem destaca Roger Chartier, “as lutas de representações tem também importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio.”106
O conservadorismo católico, representado naquela época pelo coadjutor Pe. Cauby , “figura de proa” do movimento católico circulista na cidade incendiava os discursos e manifestações dentro do próprio espaço da Igreja: “Entrego meu peito à bala mas não entrego o Ipu ao Madureira”107,eram estas palavras proferidas pelo então Pe. Cauby dias antes do apedrejamento ocorrida na sede da Liga dos Trabalhadores do Ipu. A senhora católica Antonia Alves é enfática quando menciona:

...Naquela época essa Igreja Matriz aí vivia cheia de gente, ouvindo atentamente o Pe. Cauby falar sobre o comunismo... que o comunismo era uma coisa muito ruim e que era preciso expulsar Hugo Madureira daqui de qualquer jeito... e realmente isso aconteceu né?(pausa) Pois, é...108


É interessante notar o espaço da Igreja como um lugar sagrado, onde as pessoas simples e humildes nos dias de domingos se concentravam em grande massa. A Igreja Matriz de Ipu era certamente o único espaço em que as massas sertanejas se aproximavam para pedir consolo e proteção ao santo padroeiro São Sebastião. Ora, durante as décadas de 1930/40 não havia televisores ou qualquer outro tipo de aparelho de comunicação de massa. O único rádio a chegar na cidade era de propriedade particular do Grêmio Recreativo Ipuense, portanto somente os “homens de negócio”, ligados as sociedades beneficentes e culturais tinham o privilégio de saber os últimos acontecimentos políticos sobre o país ou então notícias relacionadas a Segunda Guerra Mundial. Daí o forte poder de controle e vigilância da Igreja sobre as mentes coletivas durante os anos de 1940.



Figura 2- Igreja Matriz de Ipu, construída a partir de 1914 e inaugurada em 1940. Sua arquitetura fora idealizada por Arquimendes Memória, filho de Ipu que se formou no Rio na Escola de Belas Artes. Fotografia retirada do Álbum Comemorativo da Passagem do 1 Centenário de Fundação do Município de Ipu ocorrido em 1940.


Na imagem acima é possível identificar a Igreja Matriz de Ipu como sendo o “lugar de memória” do homem simples e religioso. Um espaço de pertencimento da fé católica, da tradição litúrgica da missa como uma unidade indivisível do “sagrado”.
Nunca é demais apontar aqui uma rápida abordagem sobre a definição do conceito relativo do “sagrado”. Segundo Júlia Miranda a idéia do sagrado não pode ser considerado unicamente algo ligado ao religioso, ou seja sagrado não é sinônimo de religioso109, nem constitui algo universal. A sua dimensão constitutiva do real pela sociologia, segundo Júlia Miranda, torna-se inválida, portanto a teologia cristã e sua concepção de objetividade do sagrado silencia outras formas de entender o mundo fora da dimensão mística e religiosa.
Desde então as dimensões da memória instituída na cidade sobre o “credo vermelho” revelava-se como produto de uma tradição cultural religiosa da época, tendo à frente a orientação da Igreja no combate aos sujeitos considerados nocivos a moral e os bons costumes.
Isto, é claro, resultante da prática doutrinária da disciplina e educação dos filhos e filhas que iniciavam desde de sedo no mundo religioso a se comportarem como “soldados da fé”, em defesa da causa sagrada contra os desvios morais da sociedade moderna.
Nas táticas de propaganda e convencimento dos mais jovens as Cruzadas Eucarísticas atuavam como agentes primordiais, mostrando a sociedade e aos trabalhadores que seus filhos necessitavam de seguir o exemplo dos mártires de Cristo a lutar contra as “idéias pecaminosas”.


3.3 CRUZADA EUCARÍSTICA: Em guarda contra o “Credo Vermelho”.

Padre Cauby marchava em frente a sede do comunista com crianças do movimento da cruzadinha, pedindo em voz alta, proteção ao Santo Sebastião e ao Santo Tarcízio que era o patrono da cruzadinha eucarística.110


Novamente trataremos aqui na discussão sobre a imagem do sujeito comunista utilizando as manifestações do “sagrado” através da militância católica do movimento da Cruzada Eucarística. A importância desse movimento dar-se-ia no sentido de sua integração mística e simbólica no espaço de memória da cidade. Sendo, portanto, uma organização fundada no dia 9 de julho de 1937, pautava-se no projeto religioso, pedagógico e doutrinário das crianças no mundo do sagrado .
Diante de algumas fontes encontradas sobre o movimento eucarístico de Ipu destacamos alguns escritos encontrados no livro de Tombo da Igreja e dois livretos conseguido com uma ex-integrante do movimento infantil eucarístico, a já falecida Sra. Maria Vasconcelos Aragão. A primeira vez que a entrevistei, mais precisamente no ano de 2002 a mesma nos repassou importantes documentos escritos, inclusive relatos orais sobre a participação da “cruzadinha eucarística” que fora auxiliada por Padre Cauby em suas manifestações públicas em frente a sede da Liga dos Trabalhadores. É o que mostra a citação acima ao referir-se à marcha infantil eucarística e sua manifestação de apoio e repúdio ao comunismo, representado por alguns simpatizantes de Hugo Madureira.
Nas palavras da sra. Maria Vasconcelos Aragão: “não existia diferenciações de classes”, a cruzadinha era constituída, segundo a mesma de pessoas de todos os níveis sociais. Em sua “fala” a exaltação do movimento é sempre lembrado através de uma forte entonação de voz, demostrando um sentimento de saudade, de um “tempo de fé diferente” vivido em sua infância.
Pelo que fora dito pela Sra Maria Vasconcelos, a cruzadinha era constituída de níveis aspirantes, composta de crianças, apóstolos e zeladora. O lema da cruzada infantil de Ipu era SPA ( Sacrifício por amor). Em oura parte da entrevista a Sra. Maria Vasconcelos relembra:

Cada membro da cruzadinha que se encontrava um com o outro na rua, pronunciava a sigla para identificação do movimento católico.[...] Era um movimento organizado pelo padre Raul Formiga da banda de Piauí, só que padre Cauby ajudava na formação católica, organizando eventos e passeatas na cidade...111


Mediante a citação inicial identificamos nesse movimento uma relação de disciplina e comportamento moral baseado no mecanismo de uma ordem totalitária e eficiente, em busca da “ação pedagógica” de um exército corporificador das “almas perdidas”.
Certamente a “não diferenciação de classes sociais”, apontada pela Sra Maria Vasconcelos pode ser entendido como estratégia de atrair e alertar a sociedade em geral, estimulando a espiritualidade e o trabalho anticomunista dos futuros apostolados. Ao que parece a figura do soldado na luta contra o “anticristo” nos faz lembrar o espírito religioso e guerreiro do homem medieval em defesa e reconquista da “Terra Santa”. Os chamados “cruzados” eram expedições militares organizadas pelo Papa Urbano II, que tinha como principal objetivo reconquistar Jerusalém, dominada pelos turcos em 1706.
Seria então na quarta cruzada que teria surgido a lenda de que os “lugares santos” só poderiam ser reconquistados pelas crianças, pois só elas eram consideradas puras, isentas de pecados.Com isso 50 mil crianças foram enviadas a Jerusalém, só que a maioria delas morriam no caminho, jogadas ao relento ou então acabavam sendo aprisionadas e até vendidas como mercadoria oriental.
No decorrer de nosso trabalho encontramos em um dos poucos exemplares dos livretos da Cruzada Eucarística, pertencente a Sra. Maria Vasconcelos uma interessante imagem idealizada do soldado de Cristo empunhando uma espada com a mão direita e com a mão esquerda segurando a bandeira com uma enorme Cruz desenhada no fundo. É interessante ressaltar os detalhes existentes de sua roupa com as mesmas usadas pelas Ordens Militares dos Cruzados na Idade Média. A cruz exposta no peito é o símbolo maior de identificação do Cristianismo, uma marca sempre carregada pela Ordem dos Templários durante o período de combate aos mulçumanos no século XIII.



Figura 3- Imagem reproduzida na capa do livreto Cruzados da Eucaristia de junho de 1939, ano X.n.6.Chamamos atenção para esse desenho referente a alusão ao soldado de cristo da Idade Média. Fonte obtida do acervo da Sra Maria Vasconcelos Aragão, ex-integrante da cruzadinha eucarística de Ipu falecida no ano de 2007.

Ao que podemos perceber a cruz, “um dos mais primitivos símbolos da ordem” sempre despertou uma imagem de purificação dos pecados no mundo místico e sagrado. Um símbolo de tortura durante o império Romano que passou a ser representada depois da morte de Cristo uma das armas simbólicas mais perfeitas no combate aos “desvios da fé”. Como bem destaca Alcir Lenharo:

Do ponto de vista psicológico, a cruz exerce a função de “centro gerador da ordem”. Se de um lado, a imagem da Cruz associa-se à dor e à tortura, de outro, ela também se manifesta como símbolo de iluminação[...]A cruz tem servido no discurso católico para explicitar a localização política da religião em relação às posições políticas que se encontram à sua direita e à sua esquerda.112


A “espiritualização do espaço social” descrita na análise de Alci Lenharo constituiu uma forte estratégia de poder como caráter eminentemente político, portanto concordamos que “todo poder é político”. Sendo assim condiciona, ordena e disciplina através das imagens o mundo social.
O espírito cristão e “operário” dos anos de 1930/40 em Ipu deu-se mediante a presença regeneradora da Igreja como sendo a “ordem sagrada” no mundo do trabalho. Paralelo a essa visão idealizada, o sujeito comunista seria aquele que a “Cruz” abominaria por intermédio da ação vigilante, mas que se mostrava como um contradiscurso ao poder dominante.
Em uma outra imagem característica do ideal trindentino de combate a heresia pela força simbólica da “Cruz” mostra-se como instrumento de poder. Uma escultura que traz a presença de uma mulher ostentando em sua mão esquerda o símbolo maior do discurso anticomunista. Nota-se a presença de um anjo do lado direito da escultura, no qual presencia a expulsão dos hereges.

Figura 4- Escultura esculpida por Pierre Le Gros do século XVII intitulada como Triunfo da Religião sobre a Heresia e o Ódio,1695-1699;Igreja de II Gesú, Roma. Imagem extraída do trabalho de Daniel S. Simões. O Catolicismo da Intolerância,2001.


É bem verdade que a conversão da classe trabalhadora durante o período da era Vargas pautava-se na estratégia da “militarização psicológica” dos sujeitos sociais, sendo que “ser operário” consistia em ser um soldado da Pátria, sujeito à ordem do Estado e da Igreja. Na Alemanha nazista o culto a educação física estava associado à massificação do esporte no preparo da juventude hitlerista como um soldado pronto para morrer em nome da Pátria. O vigor físico condicionava a juventude e a classe operária a ser mais disciplinada e consequentemente mais disposta a labuta diária do trabalho.
Vejamos que, O Círculo Operário, a Cruzada Eucarística e a Associação dos Escoteiros de Ipu, todos comandados pelo então padre Cauby, consistia nesse ideal de um “novo homem” pacífico, obediente, ordeiro e disciplinado. Em um dos documentos referente a criação da Associação dos Escoteiros de Ipu(1943), Padre Cauby novamente destaca o culto a formação moral, intelectual e física das crianças:

Convicto de que o Escotismo é um exemplo onde se guiam as almas moças, de que ainda é um meio mais eficaz para dar à infância sólida formação moral, intelectual e física, principalmente si se tiver em vista aquele belo postulado de (ilegível) segundo o qual a religião é a base do Escotismo, procurei fundar aqui em Ipu aos 14 de julho de 1943 a instituição acima mencionada Filiada a Federação dos Escoteiros do Ceará. Conta com o número de 78 escoteiros fichados. Os sócios são constituídos da seguinte maneira: efetivos, cooperadores (ilegível) e reunidos. A Diretriz da Associação compoem-se de dois elementos: Diretor e Secretário. Funciona regularmente no Prédio Cine Teatro Moderno.113


Esse condicionamento do culto mítico do corpo e da “boa leitura”, praticada também pela Cruzada Eucarística nos parece então idéias copiadas do pensamento anticomunista de Hitlher que tentava preencher o tempo livre das crianças e dos trabalhadores para que estes não fossem seduzidos pelas leituras e discursos do sindicalismo vermelho.
A intermitente cruzada anticomunista na região norte do Ceará, mais especificamente nos anos de 1930/40 atendia a essa visão política da relação homem-trabalho. A vadiagem, o vício era tratado como algo pecaminoso no mundo do trabalho, pois oferecia tempo disponível ao homem do campo e da cidade de pensar em sua real condição de miséria, subordinado a cultura paternalista e clientelista das elites dirigentes. A “higiene do trabalho militar” da Cruzada Eucarística, mais precisamente da vigilância “sempre alerta” dos Escoteiros de Ipu confundia-se com a condição do conceito de trabalho com a do soldado de Cristo.
A disciplina e o ordenamento permanente do cotidiano, como fator de tempo e vigilância da juventude dava-se através da manipulação dos símbolos religiosos. Como já destacado antes a Cruz historicamente sempre teve um efeito simbólico na mente dos católicos. Ora, é comum observarmos atualmente nos movimentos de jovens e adultos ligado a Igreja inúmeros desenhos e crucifixos, muitas vezes usados como intuito de comercialização por parte de alguns dos integrantes desse movimento.
Se analisarmos o símbolo da Cruz como referência, podemos notar que este instrumento educativo do corpo social produz sentidos e emoções psíquicas e ideológicas. Hitler se utilizou muito bem dos símbolos para causar esse efeito nas pessoas. A suástica nazista nada mais era do que uma cruz invertida e que tomou uma outra forma de poder e representação quando fora escolhida como figura de destaque nas bandeiras e distintivos do partido nazista.
Em uma outra imagem que traz a Cruz como símbolo de poder e de afirmação da fé, podemos interpretar melhor o que acabamos de dizer anteriormente. Trata-se de um colete pertencente a uma criança da Cruzada Eucarística de Ipu entre anos de 1940.
Vejamos então a imagem da cruz de malta como figura de destaque:


Figura 5-Colete de uma criança pertencente ao movimento da Cruzadinha Eucarística de Ipu. Encontrado na residência da Sra. Anete Vale de Paiva e repassada pela a mesma a minha pessoa. Atualmente encontra-se sob o cuidado do grupo Outra História. Fotografia tirada no dia 10/02/2007 por Petrônio Lima.


O fato de considerar o simbólico como afirmação de “poder” na ordem social emerge do controle e efeito do imaginário sobre as pessoas. Do mesmo modo que a palavra legitima o poder de dominação do discurso as imagens também reproduzem uma representação do real. É o que afirma Pierre Bourdieu ao conceitualizar o poder político como forma de capital simbólico.

O capital político é uma forma de capital simbólico, crédito firmado na crença e no reconhecimento ou, mais precisamente, nas inúmeras operações de crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa- ou a um objecto- os próprios poderes que eles lhes reconhecem.114


Na imagem acima o colete da Cruzadinha Eucarística carrega um esforço simbólico ligada à afirmação de uma identidade católica. A condição do “soldado da fé” exprime a vontade e o preparo de educar o corpo e mente das crianças, “higienizando e eugenizando” o espaço social.
O que se pode notar, mediante os livretos da Cruzada Eucaristica é que há uma intensa preocupação da Igreja em educar o espírito tradicionalista e “militar” das crianças por intermédio do credo anticomunista. Então, como estratégia de convencimento o católico assumiria o papel de guardião dos valores morais na sociedade.
Ora, a investida anticomunista dava-se por meio da divisão simbólica entre o Bem e o Mal, o que, aliás, confundia-se com as práticas do “sagrado e o profano” na cidade. Portanto as manifestações cívicas, os retiros espirituais tinham por interesse incutir o desejo de mostrar a cidade como espaço de mediação do sagrado com a idéia de um lugar ideal e exuberante.
Não é de admirar, pois, na narrativa oficial, Ipu é sempre mostrado como uma terra de gente católica, um “pedacinho do céu”, segundo um velho ditado popular da cidade. Pelo que encontramos em nossas fontes a cidade real ressurge por meio das próprias pistas e silêncios contido em alguns dos documentos. Apesar das dificuldades de se trabalhar um tema ainda não explorado na historiografia local, nos achamos atraídos pela maneira como as “pessoas comuns” exercem suas múltiplas formas de representação sobre o sagrado. O que mais nos fascina é a descoberta de novas evidências e de novos olhares sobre a cidade.
A sexta e penúltima imagem trata-se de um distintivo usado pelos integrantes da Cruzada Eucarística. Peça fundamental na indumentária dos Cruzados de Ipu, uma mesma imagem que figurava nas capas dos livretos católicos do movimento, tendo nas extremidades de uma pequena cruz as iniciais C e E o que supostamente possa significar Cruzada Eucarística.


Figura 6- Distintivo referente a indumentária da Cruzada Eucarística. Fora encontrado junto ao colete infantil, gentilmente cedido pela Sra. Anete Vale de Paiva, usado na época pelo seu irmão Antônio Farias Soares e doado ao Grupo de estudos Outra História. Fotografia tirada no dia 10/02/2007 por Petrônio Lima.


Notemos aqui como as imagens interligam os espaços de significações na memória social. A transformação do “sagrado” dar-se mediante a um esforço produzido no ritual simbólico da Cruz. Como já dissemos uma tradição reconstituída do antigo simbolismo romano e que durante os anos de nosso recorte aspirava para uma nova adaptação da militância anticomunista nos movimentos de inspiração católica. Mais uma vez recorremos ao simbolismo da suástica nazista (cruz invertida) identificando sua forma ritualística de poder na utilização da própria cor “vermelha”, emprestada da bandeira dos trabalhadores. Acreditamos que a Cruz e vários distintivos católicos tenham assumido a cor vermelha com este mesmo propósito. A mesma “tradição inventada” do sistema de valores e padrões litúrgicos utilizados pelos Círculos Católicos nas festividades do 1 de Maio como louvor a uma nação idealizada. Dessa forma Hobsbawm pode nos ajudar a entender melhor este conceito:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado.115


As fontes apresentam os sinais de uma cidade que se pretendia harmônica e sagrada através da incorporação expressa do catolicismo rural e interiorano. Assim, reconhecemos uma sociabilidade teológica na experiência dessas entidades católicas e tradicionais das décadas de 1930/40.
Lembremos, mais uma vez, os interessantes escritos encontrados no livro de tombo da Igreja de Ipu. A partir daí percebemos nas palavras do pároco Monsenhor Gonçalo de Oliveira Lima algo referente a organização da Cruzada Infantil Eucarística. Ao que parece a Cruzada Eucarística já atuava antes da fundação dos Escoteiros de Ipu. Muito embora as fontes escritas e orais não apontem uma data precisa desse movimento, é possível analisar sua forte atuação no desejo de disciplinar e construir hábitos de sociabilidade.

É de vêr-se a pontualidade, a piedade, a dedicação com que os seus sócios procuravam cumprir os seus deveres diante do Tabernáculo, vindo-se entre elles bom número de crianças a formarem uma pequena cruzada [...] nas suas fileiras militam 585 pessoas. Contam-se 25 zeladoras. Realiza suas sesções ordinárias no primeiro Domingo do mês.116

Já na última imagem notemos ao lado das três figuras eclesiásticas dezessete integrantes da Cruzada Eucarística de Ipu. Pelo que podemos notar todas são dos sexo feminino e somente quatro delas estão usando uma faixa enquanto que as outras levam no pescoço uma espécie de medalhão dependurado. Supostamente seja algum distintivo parecido com que mostramos acima.
Vale ressaltar que no meio dos três párocos encontra-se Monsenhor Gonçalo de Oliveira Lima. Ao seu lado direito supostamente seja Monsenhor Ferreira de Morais, o futuro padre que em 1947 virá assumir a paróquia de São Sebastião de Ipu. O último, de braços cruzados, não fora possível identificá-lo, o que deixa dúvidas se seria Padre Cauby ou então algum outro padre de alguma localidade vizinha.



Figura 7- Fotografia pertencente ao acervo do Sr. Francisco de Assis Martins (Prof. Melo). Notemos então a forte presença da juventude feminina no movimento da Cruzada Eucarística.



Não é nossa intenção julgar as práticas de direcionamento da Igreja no sentido de apontá-las como algo de prejudicial a toda sociedade. Estaríamos aí criando juízos de valor e/ou adotando afirmações errôneas e preconceituosas sobre a mesma. Visto que, a nossa função é analisar como a sociedade cria e recria seus hábitos e costumes de acordo com sua cultura e formas de sociabilidade.
Nesse sentido buscamos entender como as elites dirigentes nos ano de 1930/40 se utilizaram das práticas católicas na formação da disciplina e moralidade do homem urbano e rural. A cidade, propriamente dita ajustava-se ao processo do ordenamento e discurso do sagrado. O anticomunismo das elites introduzia e direcionava o seu olhar na formação do futuro trabalhador temente a Deus e obediente às regras da Igreja.
Entretanto não podemos considerar que todos aceitavam tais regras de comportamento ou conduta moral na cidade, como vimos no começo desse capítulo. Mesmo que estes fossem acusados de “espalhar a discórdia contra a religião, a família e a ordem social,” eram apenas “homens comuns”, contrário à ordem estabelecida, mas que sonhavam e idealizavam a cidade de forma diferente. O que queremos afirmar é que o conceito de “comunista” do pós-30 em diante assumia características próprias, pois não havia diferença entre aquele que fosse ou não católico, bastava apenas ser contra a ordem política e a disciplina católica na cidade já significava o bastante para ser considerado um adepto do “credo vermelho”. Muito embora houvesse um esforço da sociedade ipuense em silenciar as formas de resistência nos espaços de memória da cidade, a presença de alguns militantes ou simpatizantes comunistas como “Júlio Ferreira,” “Timorão,” “Manoel Feitosa,” “Hugo Madureira,” contrastava com o desejo de mostrar a cidade sagrada nos periódicos ou revistas de inspiração católica.


3.4 FÉ, ELEIÇÃO E DISCIPLINA

Chamamos a atenção para uma rápida análise sobre a campanha eleitoral no Ceará durante o ano de 1947, onde o anticomunismo se destaca na conjuntura do quadro político interiorano. Por sua vez as intrigas e insinuações da PSD (Partido Social Democrático) contra a campanha de Faustino de Albuquerque (UDN), apoiado pelo comunistas, representaria nas pequenas cidades do interior da Ibiapaba uma preocupação dominante por parte da Igreja em garantir a vitória de Onofre Muniz. Somado a onda do movimento de opinião pública contra os regimes totalitários nazifascistas os adversários situacionistas (PSD) passaria a adotar a imagem do comunismo “bárbaro e ateu” associado aos seguidores da campanha “totalitária” de Faustino de Albuquerque. A cidade de Ipu passaria a ser então palco do conflito entre a UDN e o PSD, o que exigiria maior controle e disciplina do eleitorado católico no mundo do trabalho.
No jornal “Correio da Semana” do mês de maio de 1947 é desmentido através de um telegrama assinado por Francisco Soares Paiva, Aureliano Carvalho e Cícero Sousa Joca os informes anunciado no jornal “O Democrata” de que Ipu estaria mais uma vez se formando uma célula da militância comunista. Provavelmente o telegrama referia-se aos acontecimentos posteriores a expulsão do suposto comunista Hugo Madureira, visto que 1947, como já fora dito era ano eleitoral no Estado, pois a fantasma vermelho, na mentalidade da época voltaria novamente a desfazer o “espírito de concórdia e harmonia na cidade”. Logo acima do telegrama o jornal anunciava com a seguinte frase: “DESFEITO OS EMBUSTES COMUNISTAS NO IPU”, seguido do seguinte telegrama:

Membros sociedade desde município surpreendidos notícia publicada dia cinco jornal democrático dessa capital, dizendo (ilegível) deixando transparecer somos simpatizantes communismo [...] vimos público energicamente protestar contra tal notícia, visto como católicos decididos e democratas condenamos todo regime totalitário inclusive communismo bárbaro e ateu.117



Pelo que mostra a citação acima seriam então “os católicos decididos e democratas” os mesmos que “condenavam todo e qualquer regime totalitário”, partidários da UDN ou então seguidores do PSD? .Certamente os discursos contraditórios da UDN e PSD se confundiam ideologicamente pois ambos tinham raízes anticomunistas e totalitárias. Ora, como bem destaca Wilson Noca o apoio incondicional de Dom Antônio de Almeida Lustosa, pela candidatura do general Onofre Muniz, aspirava a aceitação da maioria do clero católico orientado pelo bispo da Diocese de Sobral, José Tupinambá da Frota.

Desde o início, o general Onofre Muniz contou com o apoio ostensivo do arcebispo de Fortaleza, Antonio de Almeida Lustosa; do bispo da diocese de Sobral, José Tupinambá da Frota, que o visitou durante sua passagem, em campanha, por aquela cidade...118


Vejamos então como o postulado católico de Sobral, aliado a cruzada anticomunista do PSD deflagrou acirrada luta contra a campanha de Faustisno Albuquerque. Cabe aqui ressaltar que o apoio dado pelo Partido Comunista a UDN nada mais seria do que estratégia política para se chegar ao poder.
Pois bem, a “exploração do sentimentalismo” antivarguista, reflexo da queda do Estado Novo contribuía então na propaganda a favor do candidato Faustino Albuquerque, apoiado pelo jornal “O Povo”, no intuito de descaracterizar as investidas anticomunistas do PSD. Os chamados na época de candidatos da chapa popular (UDN, PSP e PR) apoiado pelo PCB cearense eram retratados no diário comunista “O Democrata” como representantes da marcha resoluta, inspirado nos ideais da classe operária.

O proletariado e o povo marcharão resolutos, inspirados pelo seu glorioso partido, destacamento de vanguarda da classe operária, em busca das mesas eleitorais, com firme propósito de ver cumprida a cota do nosso Estado: 30.000 votos para o Partido Comunista. [...] Votai, portanto, nos candidatos da chapa popular. Eleger Faustino de Albuquerque e César Cals constitui a preocupação máxima de toda a Democracia cearense, de partido, ou sem partido, de qualquer crença religiosa ou filosófica, categria social, cor, raça ou sexo, todos enfim, conjugando esforços visando a um objetivo comum: consolidar a democracia, levando às urnas 30.000 eleitores para o partido de Prestes.119


Segundo Wilson Noca durante o resultado do pleito Onofre obtivera a maioria dos votos nos municípios-sede das Dioceses de Sobral no total de 64,79%.Apesar da forte presença do eleitorado católico nas cidades interioranas da Ibiapaba, os números explicam a acirrada luta ideológica. Em Ipu a votação de Faustino de Albuquerque teria atingindo o percentual de 61,89%, dando assim um total de 1.751 votos.120
As formas de disciplinar o eleitorado teria então a influência dos párocos que usufruíam dos espaço simbólico da Igreja como prática significativa das relações exercidas através de seus discursos e sermões dominicais. Em janeiro de 1947 Mons. Francisco Ferreira de Morais, natural de Crateús, assume a paróquia de Ipu. Trinta anos depois teria sido este mesmo pároco, o fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipu. Até o momento não sabemos então qual a sua importância histórica atribuída ao momento vivido em Ipu durante a campanha eleitoral de 1947.
Certamente a campanha eleitoral de 1947 em Ipu merece um trabalho a parte, pois dada as poucas fontes escritas sobre este período de atuação anticomunista na cidade, fica difícil portanto, analisarmos com maior precisão. Preferimos então não correr risco em levantar hipóteses pouco confiáveis em relação ao comportamento do trabalhador católico durante este período. Assim, discutiremos com maior detalhes e amplitude em um outro momento, utilizando pois, as mais variadas fontes a qual propomos trabalhar futuramente.



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ao reconstruir a dimensão das práticas e valores do discurso católico e anticomunista nos espaços de memória de Ipu, não o fizemos no sentido de legitimar o papel do “comunismo” e seus simpatizantes através do estudo da “luta de classes”.
Muito embora saibamos que as temáticas referente a história política e econômica nos anos 80 tenha destacado os centros industriais como referência significativa das manifestações anticomunistas na cidade, propomos então levantar questões referente as representações simbólicas e discursivas à cerca da suposta “ameaça vermelha” no interior do norte da Ibiapaba entre o período posterior a Revolução de 1930, mais especificamente na cidade de Ipu , anos em que a cidade ganha novos “ares de modernidade”, somado ao esforço da elite dirigente em querer mostrar a imagem de uma cidade que se pretendia “sagrada”, voltada a disciplina e a valorização do “trabalho”.
Para isso fora preciso recorrer as mais variadas fontes, inclusive os depoimentos orais de ex-integrantes das organizações religiosas dos anos de 1930/40, como também de alguns supostos simpatizantes da ideologia comunista.
Contudo, percebemos que nossa pesquisa estava somente iniciando, pois a cada momento, novas descobertas e interpretações sobre a imagem do “sujeito comunista” mostrava-se como um desafio em tentar entender a função social da memória coletiva .
Pelo que constatamos em nossas fontes, a forte predominância da “cultura camponesa” no interior da região norte da Ibiapaba contribuíra para que os Círculos Operários Católicos, assim como as demais entidades religiosas assumisse o controle e vigilância através dos “benefícios” prestados aos trabalhadores do campo. Em Ipu, a presença do Círculo Operário refletia esta preocupação em formar o espírito do trabalhador obediente por meio das normas de conduta religiosa, física e moral na cidade. Uma cidade cuja as manifestações de disciplina e ordem refletia o esforço e o propósito de assumir uma “aparente harmonia” nos espaços de memória.
A importância dessa pesquisa dar-se-ia através da experiência de buscar entender a prática da militância anticomunista como parte significativa de buscar desvendar os símbolos do sagrado como memória instituída através do poder dominante . De acordo com o que já escrevemos nos capítulos anteriores a “cidade sagrada” é incorporada como mecanismo simbólico de poder através da ostentação dos valores religiosos e capitalistas, nos hábitos burgueses e tradicionais de uma “elite” dirigente. Uma sociedade dividida entre o conservadorismo da Igreja e a reinvenção do conceito do “trabalho” no mundo moderno:

Nas sociedades modernas, em que acentua-se o declinio das armas, só há duas forças de eficaz preponderância, a ciência que descobre os prestimos da natureza, e a indústria, que os utiliza, em outros termos, o trabalho é a formula do progresso...121


Tentamos mostrar, de um lado, os agentes comerciais católicos que transitavam entre o comércio e as entidades religiosas construindo novas relações simbólicas de poder e assumindo o papel de mediadores do “sagrado” nos espaços de memória da cidade. Do outro, pessoas simples, homens do campo e da cidade, trabalhadores católicos que tinham a Igreja como único espaço de proteção e obediência.
Desse modo, a vida social na cidade e a presença de alguns “agentes degenerados e indesejáveis” nos parece um indicativo de que o Ipu dos anos de 1930/40 mostrava-se diante de uma realidade conflituosa e perturbadora. O mito da cidade harmônica projetava uma memória histórica ligada à trajetória das “famílias tradicionais” através da fundação de alguns espaços de sociabilidade, onde havia disputas e interesses políticos e ao mesmo tempo um controle direcionado a normatização dos sujeitos sociais no mundo do trabalho.
Na literatura da cidade é comum percebermos a repetição discursiva de uma memória silenciada e dissimulante sobre estes mesmos sujeitos sociais marginalizados. Ao lado dos periódigos católicos como o “Correio da Semana” e “O Nordeste” os deveres da família e sua luta de consagração de valores tornam-se aceitáveis através da ratificação da ordem moral anticomunista.
Assim, estudar as memórias e composições da narrativa católica e anticomunista, inseridas na demarcação de um espaço sagrado e segregado representa uma forma de mostrar os sinais e conflitos de uma cidade que sempre temeu e ainda teme a quebra de suas tradições. Seja no sentido social, cultural, econômico e simbólico de nossas elites dirigentes, o esforço em querer mostrar a cidade como um lugar ideal implica delimitar e definir espaços de memória sempre atuais. Diante disso a consagração dos valores em conflitos e seus códigos de aceitação social, à qual refere-se Bourdieu nos mostra o quanto o Ipu nos anos de 1930/40 encontrava-se atrelado aos mesmos habitus e funções arbitrárias de poder.
Lamentamos, portanto, o pouco interesse da sociedade ipuense sobre um tema que aponta outros sujeitos históricos que não sejam as “famílias ilustres” e seus mais destacados filhos, pois encontramos algumas dificuldades quanto à utilização e prática das entrevistas de campo. Pelo que percebemos o silêncio de alguns entrevistados católicos sobre o “comunismo” ou simplesmente simpatizantes do sindicalismo vermelho estende-se ainda mais na memória das pessoas não pertencentes às famílias tradicionais. E isso, necessariamente caracteriza-se como um reflexo dos valores e normas culturais estabelecidas e rememoradas no aspecto social do cotidiano.
Naturalmente, esse é um trabalho que apenas inicia-se devido a não profundidade de questões pertinente a outras fontes aqui não mencionadas. Esperamos então, que no futuro bem próximo possamos identificar com maiores detalhes como se dava à atuação das várias categorias do trabalho na cidade através da influência das entidades beneficentes e como a ameaça do “sindicalismo vermelho” era entendido na memória desses sujeitos sociais. O que propomos aqui é apenas apontar os elementos necessários para um futuro trabalho



FONTES DE PESQUISA

FONTES PRIMÁRIAS

1.1. MANUSCRITOS

PARÓQUIA DE SÃO SEBASTIÃO DE IPU-CE
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião de Ipu. Anos: 1931-1946.
• Anotações referente ao comunismo, escrito por Monsenhor Gonçalo Lima.
• Escritos referente a fundação do Círculo Operário de Ipu. Ano de 1932.

OUTROS:
Registros sobre o Clube Artístico Ipuense, escrito à mão por Chagas Paz.
Registros escritos sobre os funcionários da Estação Ferroviária de Ipu.1944
Livreto de propaganda anticomunista. Autoria desconhecida. 1931

Jornais
Correio da Semana. 1945-1946.
O Democrata. 1946.
O Nordeste. 1944.
Ipu Grande. 2007.

REVISTAS E PERIÓDICOS:

PAZ, Francisco das Chagas. (org). Almanaque ipuense para o ano de 1961. Ipu: Oficinas Gráficas da Escola Profissional,1960.
___________. Almanaque ipuense para o ano de 1963. Ipu: Oficinas gráficas da Escola Profissional.

PREFEITURA MUNICIPAL DE IPU. Álbum Comemorativo da passagem de 1centenário de fundação. Fortaleza: Editora Tipografia,1940.

SINOPSE ESTATÍSTICA DO MUNICÍPIO DE IPU: Estado do Ceará. IBGE; Subsídios para o estudo da evolução política, alguns resltados estatísticos-1946. Rio de Janeiro. Arquivos pessoal do professor Francisco Mello com cópias sobre os cuidados do Grupo Outra História.

LIMA, Joaquim. A Administração do Ipu no regime revolucionário. Oficinas gráficas Correio da Semana. Sobral,1935,sem página. Arquivo pessoal do professor Francisco Mello, com cópias sobre os cuidados do grupo Outra História.

REVISTA DOS MUNICÍPIOS: Ano I. diretor proprietário: Eusébio de Sousa. Fevereiro de 1929. Typograhia Urânia- Ceará.

ÁLBUM COMEMORATIVO DO 1 CENTENÁRIO DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DO MUNICÍPIO: Publicação oficial da Prefeitura Municipal. Editora Tipografia União, Fortaleza, Ceará. 1940, sem página. Arquivo pessoal da senhora Socorro Paz, com cópias sob os cuidados do grupo Outra História.


DEPOIMENTOS ORAIS:

Entrevistas com ex-militantes católicos do Movimento Mariano e ex-simpatizantes do comunismo.

Sra. Antonia Alves Soares
Idade: 77 anos
Profissão: Trabalhadora rural aposentada
Estado Civil: Casada
Endereço: Avenida Ver. Francisco das Chagas Farias
Naturalidade: Ipu- Ce
Entrevista concedida no dia 28/11/2007


Sra. Maria da Conceição Viana
Idade: 71 anos
Profisão: Professora aposentada pelo Estado
Estado Civil: Casada
Endereço: Rua D. Maria Correia
Naturalidade: Fortaleza- Ce
Entrevista concedida no dia 30/11/2007


Com ex-integrante da Liga dos Trabalhadores, marianistas e católicos

Sr. Francisco Irismar Mourão
Idade: 83 anos.
Profissão: Aposentado pelo IBGE
Estado Civil: Casado
Endereço: Rua D. Maria Correia
Naturalidade: Ipu-Ce
Entrevista concedida no dia 30/11/2007

Sr. Eurico Martins
Idade: 78 anos.
Profissão: trabalhador rural aposentado
Endereço: Auto dos Quatorze. Rua São Domingos,S/N. Ipu.
Naturalidade: Guaraciaba- Ce
Entrevista realizada no dia 11/12/2007

Sr. Pedro Paiva
Idade: 79 anos.
Profissão: trabalhador rural aposentado
Estado Civil: Casado
Endereço: Avenida Dr. Milton Carvalho
Naturalidade: Ipu- Ce
Entrevista realizada no sindicato dos trabalhadores rurais. Dia 11/12/2007.

Sr. Florival Vale de Paiva
Idade: 65 anos
Profissão: poeta popular e ex-comerciante aposentado.
Estado Civil: Casado
Endereço: Rua São Sebastião
Naturalidade: Ipu-Ce
Entrevista realizada no dia 23/10/2007



TRABALHOS ACADÊMICOS CONSULTADOS:

ARAÚJO, Reginaldo Alves de. A cidade e o discurso modernizador. 2007. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Teoria e Metodologia da História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Centro de Ciências Humanas, Sobral, 2007.

BARROS, Antonio Iramar Miranda. A Formação do Cabaré ipuense e o controle social das meretrizes de Ipu. A luta do “bem contra o mal” numa sociedade dita moderna. (1920-1930). Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Teoria e Metodologia em História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Centro de Ciências Humanas, Sobral,2007.

FILHO, Antonio Vitorino. O Trem e a Cidade: as transformações Urbanas em Ipu (1894-1935). 2007. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Teoria e metodologia da História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú- UVA. Centro e Ciências Humanas, Sobral,2007.

LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Livros, homens, uma cidade: uma discussão sobre o gabinete de Leitura Ipuense (1886-1919). Monografia apresentada na graduação de História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Centro de Ciências Humanas, Sobral, 2007.

LIMA, Francisco Petrônio Peres. Iracema: Trilhas e Memórias de um Mito. Da Literatura ao Espaço Urbano de Ipu. Monografia apresentada na graduação de História, pela Universidade estadual Vale do Acaraú – UVA. Centro de Ciências Humanas, Sobral,2005.

MARINHO, Luciana Albano. A Convivência entre Católicos e Evangélicos Pentecostais nas décadas de 1940. Monografia apresentada na graduação de História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Centro de Ciências Humanas, Sobral, 2005.

SANTOS, Carlos Augusto Pereira de. A militância comunista nos espaços do trabalho. Camocim-Ce (1927-1950). Dissertação de Mestrado defendida na Universidade Federal do Rio de Janiero. Fortaleza,2007.

SOARES, Agenor Júnior. “A Cidade Disciplinada:” A Igreja e os trabalhadores urbanos em Sobral (1920-1925). Dissertação de Mestrado defendida na Universidade de Pernambuco em 2002.

SILVA, Francisco Cleuton Pereira da. O Círculo Operário de Ibiapina. Igreja e Políticos contra o inimigo comum. (1942-1947). Monografia apresentada na graduação de História, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Centro de Ciências Humanas, Sobral,2001.


INTERNET

www.ibge.gov.br, acesso em 23 de maio de 2008.


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1.1 A PESQUISA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO






1.2 IPU: IDENTIDADE SOCIAL E CONSERVADORISMO CATÓLICO :

Este primeiro capítulo tem como principal objetivo analisar os aspectos formadores de uma identidade social conservadora, através da “vida intelectual e católica” na cidade de Ipu durante os anos que antecede nosso recorte temporal (1946-1962), seguido de uma investigação à cerca dos trabalhos pastorais da Igreja contra os “desvios da fé” e sua relação com os Círculos Operários no Ceará durante os anos de 1930/40.
Assim, propomos estudar as práticas e representações do discurso anticomunista na cidade e seus agentes formuladores. No entanto compreendemos que não seria possível entender a trajetória do mito político do comunismo em Ipu somente através da memória de seus habitantes. Por tanto recorremos também a uma leitura dos mais variados documentos pertencente aos movim

entos católicos que atuaram no combate contra o suposto “perigo vermelho.”Uma tarefa árdua, no sentido de que muito dos documentos (periódicos, livretos etc) encontram-se enclausurados, sob a guarda de determinadas famílias de tradição veementemente católica e que parecem sentir-se ameaçadas com a presença de algum pesquisador “bisbilhoteiro”, termo muitas vezes empregado pejorativamente a todos nós pesquisadores da área de História.
Antes de iniciarmos nossa discussão à cerca do discurso anticomunista faremos uma breve localização geográfica de Ipu e um pouco de sua formação histórica religiosa e conservadora.
A formação do homem ipuense, assim como as demais localidades vizinhas, está ligada a inevitável e histórica presença da religiosidade, sendo portanto uma tradição imposta desde os primeiros missionários e saqueadores europeus. Uma herança de nosso período colonial, representado através da Igrejinha secular, primeiro marco de identificação dos valores e práticas católicas em nossa cidade.A historiografia tradicional exalta a “figura heróica” de Dona Joana de Paula Vieira Mimosa, esposa de João Alves de Fontes, como sendo o símbolo maior da fundação da cidade. Através da doação de 20 léguas de terras feitas pela coroa portuguesa em 1694 a referida senhora, começaria a ser formado o núcleo do povoamento de Ipu, passando em 1840 à condição de vila,sendo transferida a sede da Vila Nova D’EI-Rei e a Matriz da Igreja para uma capela ainda a ser contruída no então chamado Ipu Grande(1) Entretanto, segundo Jorge Luis em seu artigo sobre A Origem Eclesiástica de Ipu, não há nenhum documento referente a presença de “brancos” no Ipu antes de 1722.
A atual capela conhecida como igrejinha de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro fora iniciada em 1871, com a demolição da primeira capela de estilo precário, rústico, no terreno doado pelo Alferes Manoel Alves Ferreira e sua mulher D. Maria Alves Madeira em 1870.



como elemento constitutivo de uma elite letrada que se quer nobre, porém idealizadora de um “paraíso perdido”, idealizado lentamente através do mito fundador de “Iracema”, a lenda legitimadora da figura do homem “civilizado”, cristão e Cortez.Um passado inventado e rememorado na prática narrativa e intelectual da cidade.
Localizada na região norte do interior do Estado o Ipu está situada na Mesorregião do Noroeste do estado do Ceará englobando os seguintes municípios: Ipu, Ipueiras, Pires Ferreira , Poranga, Reriutaba e Varjota.de acordo com último censo demográfico (ano de 2000)



A ostentação das imagens e diplomas pendurados nas paredes de algumas famílias católicas tradicionais de Ipu refletem os valores de uma memória que ostenta a vaidade e um forte conservadorismo cultural, impreguinado por um sentimento de posse sobre as coisas e o tempo.O mesmo sentimento de desejo, força e poder, construído historicamente pela a “lei do bacamarte” e pela posse da terra de nossos primeiros agentes colonizadores da região.
Há indícios de que esta preocupação em construir uma identidade social, nobre e conservadora, já vinha sendo projetada pela elite católica e letrada de Ipu muito antes da criação do próprio mito Iracema de José de Alencar (1865), época em que o Ipu não passava de uma pequena vila no norte da província cearense, vindo somente a ser destacada como cidade em 1885, portanto quarenta e cinco anos depois de sua emancipação política ocorrida em 1840.
Seria Eusébio de Sousa o defensor da tese de que o Ipu na época em que os Mourões envolveram-se em constantes intrigas e mortes, (na região da Ibiapaba) não passava de um local sangrento e aterrorizador.
No entanto, a imagem de uma elite preocupada em “civilizar os costumes”, segundo a tese defendida pelo o mesmo e lembrado no trabalho de Jorge Lima sobre o Gabinete de Leitura de Ipu, estaria no fato de que a violência e a índole conservadora da elite ipuense só viria ganhar uma nova forma de poder baseado na “valorização das letras” através do Padre Francisco Corrêa de Carvalho e Silva, o último vigário da Freguesia das serras dos Cocos.
Mesmo assim fica uma indagação: teria sido realmente Padre Côrrea o “grande pacificador” da localidade e o primeiro a construir uma identidade social e conservadora ligado às letras?
É com a construção da Estação ferroviária em 1894 que o Ipu
Ora,contraditoriamente a vida cotidiana na vila de Ipu, entre os anos em que Padre Corrêa esteve à frente da paróquia

Nos anos que antecede o século XX, mais precisamente
Podemos citar três de seus movimentos mais atuantes como o Círculo Operário de Ipu, A Congregação Mariana do Moços de Ipu e a Cruzada Eucarística. Movimentos que serão analisados no decorrer da pesquisa.
Desde as décadas de 1940 a 1950
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LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Livros,homens, uma cidade:uma discussão sobre o Gabinete de leitura Ipuense. (1886-1919)

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