quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UM BAIANO CHAMADO MARIGUELLA



Uma simples e singela homenagem a um grande brasileiro que dedicou toda a sua vida na luta pelas desigualdades sociais e soberania do Brasil e de seu povo. Refiro-me a Carlos Marighella, experiente dirigente comunista dos tempos de combate aos crimes de tortura, acima de tudo um ser humano espetacular, dedicado a “poesia”, a “natureza” e aos excluídos.

Foi, sem dúvida, uma figura implacável que não media esforços na luta contra a truculência da ditadura Civil Militar (1964-1985). Foi preso várias vezes, sofrendo bárbaras torturas, como em 1939, em São Paulo, quando seus pés foram queimados com maçarico sem, no entanto, fornecer qualquer informação aos torturadores da repressão política.

Em 1945 foi libertado com a anistia: e, 1946 eleito deputado constitunte, cassado em 1947 com a ilegalidade do PCB. Em 1948, com a repressão instaurada pelo governo Dutra,passou à clandestinidade, na qual defenderia então a luta armada como única possibilidade de derrubar o governo “civil militar” no Brasil. Foi assassinado no dia 4 de novembro de 1969 pelos órgãos de repressão em combate ao esquerdismo “terrorista.”

“Herói do povo brasileiro, demonstrou sua paixão pela vida, pela justiça e pela liberdade também por meio de poemas. Aliás, sua primeira prisão se deu por conta de um poema em que criticou o interventor Juraci Magalhães na Bahia. Marighella escrevia poesias desde os bancos da escola, onde surpreendeu professores ao fazer uma prova de Física em versos. Escreveu poemas revolucionários, evocativos e líricos, como classifica Clóvis Moura, para quem, o saldo de seus versos – sem entrarmos em considerações de avaliação de crítica literária – é revelador de uma personalidade desafiadora em todos os ramos da atividade, de uma instigante figura de homem que, pela sua natureza desafiadora deu a sua vida como último poema que escreveu em defesa da dignidade humana: um legado de beleza heróica”.

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.


São Paulo, Presídio Especial, 1939.
Carlos Marighella

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Expondo minha poesia que tanto estimo
Mas que por certo não faz sombra ao teu brilho
Tua vida e tua luta emergem do ostracismo
Para construir um Brasil liberto, e não libertino

Te fizeram prisioneiro, aos 18 anos, ainda menino
Em represália a teu poema contra o desatino
De ver teu povo subserviente, entregue ao conformismo
Conclamando-o à resistência e ao resgaste do seu brio

Te acusaram de terrorista, pois que eras um empecilho
À democracia de bravatas, da direita e do fascismo
No arcabouço das elites, o dogma do imperialismo

Te fizeste Marighella, poeta e revolucionário imbatível
Resistindo à tortura sobre o teu corpo desvalido
Crivando para sempre na história, o teu nome e o teu mito!

cacaubahia

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" Quando te vestiram de lama e sangue, quando pretenderam te marcar com o estigma da infâmia, quando pretenderam enterrar na maldição tua memória e teu nome.

Para que jamais se soubesse da verdade de teu gesto, da grandeza de tua saga, do humanismo que comandou tua vida e tua morte.

Escreveram a história pelo avesso, para que ninguém percebesse que eras pão e não erva daninha, que eras vozerio de reinvidicações e não pragas, que eras poeta do povo e não algoz.

Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo teu nome de baiano: Carlos Marighella. "

Jorge Amado

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Em seu enterro não havia velas:
Como acendê-las, sem a luz do dia?

Em seu enterro não havia flores:
Onde colhê-las, nessa manhã fria?

Em seu enterro não havia povo:
Como encontrá-lo, nesta rua vazia?

Em seu enterro não havia gestos:
Parada e inerte a minha mão jazia

Em seu enterro não havia vozes:
Sob censura estavam as salmodias

Mas luz e flor e povo e gesto e canto
responderão "presente", chegada a primavera
mesmo que tardia!

Ana Montenegro
Berlim, outono 1969
Cacaubahia

Fonte:Recanto das Letras em 02/11/2006

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